Todo o Brasil já sabia que Bolsonaro e a cúpula bolsonarista haviam conspirado para dar um golpe com o objetivo de permanecer no poder e evitar a posse de Lula. A preparação desse plano foi longa: começou com discursos e atos golpistas desde o início do governo Bolsonaro e culminou no 8 de janeiro, quando as sedes dos três poderes foram invadidas e depredadas. Ataques às eleições, motociatas, manifestações, reuniões, convocação de embaixadores, bloqueios de estradas e ruas, além de acampamentos em frente a quartéis do Exército, compuseram uma articulação constante de incitação ao golpe. Dois dias se destacam nesse processo: 12 de dezembro de 2022, com a diplomação de Lula, quando distúrbios e tentativas de atentados sacudiram Brasília; e 15 de dezembro, quando os golpistas planejaram atos violentos contra Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, com a subsequente instalação de um gabinete de gestão de crise golpista.
O último episódio, que revelou o planejamento do assassinato do presidente, do vice e de um ministro do STF, veio à tona na última semana, poucos dias após o atentado contra o STF, perpetrado por Francisco Wanderlei Luiz. Até o momento, a Polícia Federal conduziu uma investigação consistente, reunindo provas materiais substanciais para denunciar Bolsonaro e mais 36 integrantes da cúpula golpista, incluindo os generais Braga Netto e Augusto Heleno.
A cúpula golpista foi denunciada por três crimes: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e participação em organização criminosa. As penas somadas podem alcançar 28 anos de prisão. Passado o choque inicial das revelações, o tema parece ter caído em certa normalidade. Nenhuma grande mobilização foi observada, e as manifestações de repúdio não ultrapassaram a reação habitual.
Os democratas e as esquerdas perderam diversas oportunidades de derrotar politicamente o bolsonarismo e o golpismo desde a posse de Lula. O 8 de janeiro foi a mais evidente. Surpreendentemente, progressistas e esquerdistas optaram por uma posição de defensiva, adotando a retórica da normalidade democrática, ou mesmo da necessidade de pacificação, em uma conjuntura em que a extrema-direita conduz uma guerra constante contra o governo e tudo que é progressista.
Essa postura defensiva resultou em uma retumbante derrota nas eleições municipais. Que Lula, como presidente e chefe de Estado, promova discursos de paz, conciliação, civilidade democrática e união é aceitável. Contudo, ele não pode ignorar o paradoxo de Maquiavel: “O príncipe guerreiro e incrédulo deve proclamar a paz e a fé”. Proclamar a paz e a fé não implica abdicar da guerra. Lula deveria instruir sua base, seus “exércitos”, a intensificarem a guerra política contra o bolsonarismo, o golpismo e o extremismo de direita.
O problema é que o estado-maior (o comando das esquerdas) é composto por “generais” de gabinete, e não de campo. Parafraseando Júlio César: são generais sem exércitos, enquanto os grupos militantes e ativistas são exércitos sem generais.
Há tempos as esquerdas e os progressistas delegaram o enfrentamento do golpismo ao STF, ao TSE e, agora, à Polícia Federal. É louvável que as instituições do Estado Democrático de Direito cumpram sua parte. Contudo, é criticável que as esquerdas e os progressistas se omitam na tarefa de impor uma derrota política ao bolsonarismo e ao golpismo.
O momento é propício para derrotar o golpismo. Essa derrota deve abranger três dimensões: jurídica, política e moral. A dimensão jurídica requer o julgamento e a condenação dos golpistas. A política demanda uma ofensiva vigorosa para desnaturalizar o discurso golpista, presente em narrativas e expressões retóricas diversas. A moral exige a denúncia contínua do caráter criminoso do golpismo e ações que deslegitimem tanto o golpismo quanto a natureza fascista, antipopular e contrária aos direitos do bolsonarismo.
Embora haja a perspectiva de prisão para a cúpula golpista, persiste um grande risco. Se democratas e esquerdas não agirem, a extrema-direita pode lançar uma nova ofensiva em prol da anistia e libertação dos presos, utilizando argumentos fraudulentos.
Impor uma derrota política e moral ao golpismo significa deslegitimar a tese de que o 8 de janeiro foi apenas um ato de depredação de prédios públicos. Significa repudiar a bandeira da anistia, que estimula golpes, violência e impunidade. Significa não minimizar os eventos de 12 de dezembro de 2022 e o recente atentado contra o STF. É preciso expor os acampamentos em frente aos quartéis como incitação golpista, bem como os bloqueios de estradas e ruas como atos contrários ao Estado de Direito. Golpistas devem ser qualificados como terroristas por seus atos violentos e pelo planejamento dos assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes. As narrativas golpistas precisam ser combatidas no Congresso, nas redes e nas ruas.
Progressistas e esquerdistas devem ser tolerantes apenas com aqueles dispostos a dialogar e buscar consensos, reconhecendo as diferenças. Com os intolerantes, a tolerância é inconcebível. Convém recordar o paradoxo da tolerância de Karl Popper: “A tolerância ilimitada levará ao desaparecimento da tolerância. Se tolerarmos os intolerantes, sem prontidão para defender a sociedade tolerante contra seus ataques, os tolerantes serão destruídos, junto com a tolerância”.
Popper não sugere atitudes intolerantes, mas exige ações enérgicas quando os intolerantes atacam a tolerância, a democracia, a liberdade, os direitos e o Estado de Direito. É necessário, se for o caso, usar a força do Estado para conter a intolerância. Não há meio-termo: ou a intolerância é combatida, ou destrói a tolerância.
Ele também afirma: “Qualquer movimento que pregue a intolerância deve ser considerado fora da lei, e o incitamento à intolerância e perseguição deve ser tratado como crime, assim como o incitamento ao homicídio, ao rapto e ao reavivamento da escravidão”. Essa clareza e firmeza faltam aos progressistas e às esquerdas.
Bolsonaro e os bolsonaristas, como Nicolas Ferreira, Pablo Marçal, Bruno Engler e outros, precisam ser combatidos como intolerantes. Não se pode aceitar como legítimos e normais os discursos e práticas fascistas e golpistas desses grupos em uma democracia.
Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-golpismo-e-o-limite-da-tolerancia-por-aldo-fornazieri/
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