sábado, 30 de novembro de 2024

As fogueiras ainda estão acesas

Na última semana, a professora Sueli Santana, que atua na rede municipal de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), registrou um boletim de ocorrência e uma denúncia junto ao Ministério Público. Ela relata estar sendo vítima de agressões verbais e físicas por parte de alunos que não respeitam seu credo religioso.

Os incidentes começaram quando alunos de 10 a 12 anos, da mesma família, ingressaram na Escola Municipal Rural Boa União, situada na Zona Rural de Abrantes, onde Sueli é professora. Os alunos se recusaram a assistir às aulas sobre cultura afro-brasileira, previstas na Lei 10.639 de 2003, que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.

"No início do ano, chegaram novos alunos, e entre eles, três pertencentes a uma família evangélica tradicional. Essas crianças se incomodaram ao me verem em uma sexta-feira com minhas vestes tradicionais do Candomblé. Eu sou professora da rede municipal, mas também sou makota do Terreiro de Lembarocy, em Salvador. Makota é um título candomblecista, e eu sempre assumi minha religiosidade. Vou de branco toda sexta-feira à escola e, quando estou em rituais, além de vestir branco, cubro minha cabeça”, revelou Sueli.

Mesmo após diversas reuniões com os pais dos alunos, as agressões não cessaram. A professora relatou que foi chamada de "bruxa", "demônia", "macumbeira", "satanás" e "feiticeira". Após o recesso de junho, a situação piorou e se tornou insustentável nos meses de outubro e novembro, quando Sueli foi apedrejada pelos três alunos.

"Passei a sofrer não apenas agressões verbais, mas também físicas. Eu fui apedrejada por esses três alunos. Em vários momentos em que eu chegava na sala de aula, havia versículos bíblicos escritos no quadro e uma Bíblia sobre a minha mesa. Quando eu pedia para que o dono retirasse, essas meninas diziam que a Bíblia estava ali para que Jesus salvasse a minha alma", detalhou a professora ao site Farol da Bahia.

A direção da escola acionou a Secretaria de Educação de Camaçari, que orientou Sueli a parar de usar o livro "ABC Afro Brasileiro" nas aulas até que alguém conversasse com os pais dos alunos. "Fui proibida de trabalhar com o livro até que alguém fosse à escola conversar com os pais, como se a aplicação da lei precisasse ser autorizada”, analisou Sueli.

Em entrevista, Sueli desabafou sobre as agressões que sofreu e a evolução da violência que percebeu. "O racismo é sutil, e às vezes a gente quer tratar com educação. Até então, eu sentia que era um preconceito comigo e fiquei na escola tentando resolver de forma educativa, trazendo a questão da religiosidade como um direito que todo mundo tem. Até culminar com o ato da violência física. A violência psicológica eu até estava suportando, mas, quando partiu para a física, senti que minha integridade estava ameaçada. A pedrada que levei acertou o pescoço, mas poderia ter atingido a cabeça ou os olhos, causando sequelas", desabafou a professora.
Sobre a denúncia, Sueli espera que os pais dos alunos sejam responsabilizados e que compreendam a necessidade de cumprir a lei. "Que esses pais sejam chamados à responsabilidade e que compreendam que a Lei é para ser cumprida. Em momento algum tentei converter ninguém. O meu corpo é o meu direito, então as minhas contas, o meu vestido e o meu torço são direitos meus. Eles precisam orientar os filhos a respeitar, assim como eu respeito o direito deles. Eu preciso ser respeitada", defendeu Sueli.

A Secretaria de Educação de Camaçari informou, em nota, que acolheu a professora e as famílias envolvidas, e que está apurando o caso. “A Secretaria da Educação (Seduc) tomou conhecimento da denúncia nesta quinta-feira (21/11) e, imediatamente, procedeu com o acolhimento à professora Sueli Santana, bem como aos estudantes da Escola Municipal Rural Boa União e familiares. Iniciou, também, a apuração dos relatos, com o intuito de, por meio de oitiva com as partes envolvidas, buscar a completa compreensão da situação e, por conseguinte, os esclarecimentos, providências cabíveis e dissolução dos conflitos. A Seduc reitera seu compromisso com a valorização da diversidade e do respeito às diferenças, sejam elas relacionadas a crenças, gênero ou cor, repudiando qualquer forma de discriminação. Nesta sexta-feira (22/11), segue em diálogo com a comunidade escolar”.

A secretaria não informou se os alunos foram afastados ou não. A Polícia Civil está investigando o incidente.

Fonte: https://revistaforum.com.br/brasil/nordeste/2024/11/26/bruxa-demnia-professora-apedrejada-na-bahia-por-ser-do-candomble-169915.html

Nota: enquanto isso, o governo fica procurando diálogo e conciliação com os evangélicos. Esse tipo de crime tem que ser punido.

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