quarta-feira, 17 de abril de 2024

O cálice e a adaga

Recapitulando.

Patheos foi adquirido por um grupo associado ao NRA, ao conservadorismo e ao fundamentalismo cristão.
Muitos colunistas pagãos e ateus saíram do Patheos. Os ateus criaram o OnlySky, que também fechou as portas. Eu não vi algo parecido entre os pagãos. Alguns permanecem no Patheos, o Pagan Square deixou de ser interessante e restou o Wild Hunt.

Erick Dupree, depois de sair do Patheos, foi vender seu monoteísmo diânico no Wild Hunt.
Ele começa errado no título do artigo.

“Tudo começou no amor.”

Amor é um sentimento e uma palavra. Nós falamos muito, mas praticamos pouco.

Continuando.

“Em seu livro inovador The Spiral Dance , Starhawk conta a história da Deusa Estelar, que, sozinha, incrível e completa dentro de si, viu seu reflexo no vasto abismo e se apaixonou por si mesma. Foi a partir desse amor que ela criou toda a existência. Do amor nasceu a humanidade e do seu amor tudo começou.”

Amar o seu reflexo é narcisismo, não é amor.
Contradição evidente. Sendo essa Deusa pré existente, então não começou com o amor.
Eu, como diletante do amor e aluno de pensadores melhores do que eu, posso dizer que não existe amor sem que exista o oposto, mas não antagônico.
A teologia diânica não se sustenta. Que reflexo o abismo pode produzir? Não é o abismo parte dessa mesma Deusa solitária? Não é o reflexo uma imagem, uma parte, dela mesma? Amar a si mesmo é egoísmo. Sem a existência do outro, do diferente, do oposto, nada pode ser criado ou gerado.

Continuando.

“Remove-se um “Deus” onipresente e uma práxis de pecado, redenção e perdão, e os substitui pela permissão para encontrar significado em um amor generativo, sem gênero e abrangente.”

Não existe diferença entre um Deus e uma Deusa onipresente. Onde tem algo absoluto, reina a tirania, a ditadura. Fica evidente que o conceito de Deus de Erick é o mesmo do cristão, o mesmo das religiões abraâmicas. Pior, ele cometeu o mesmo erro de confundir sexo com gênero.

Eu devo lembrar que o Deus Cristão não é o nosso Deus. Nós não podemos nem iremos fechar essas feridas transformando a Deusa em uma inversão travestida do Deus Cristão.

A Deusa é o Ventre e o Túmulo, Ela é o Campo para ser arado. O Deus é a Lança e o Arado, ele é o Semeador. Sem o Hiero Gamos, não existiria o universo, a vida e a humanidade.

Esta é uma falha das chamadas “religiões da Deusa”, sobretudo de suas vertentes mais feministas ao ponto de serem misândricas. A Deusa é incapaz de dar, receber, inspirar amor se negamos a Ela sua sexualidade, sua sensualidade, sua feminilidade. Ao omitir, negar e diminuir a importância do Deus, ao tornar a Deusa uma Santa Ameba, nós estamos negando a sacralidade do desejo, do prazer, do corpo, do sexo e do amor. Ao negar que a Deusa precisa de um Consorte nós tornamos o sagrado feminino mais uma triste imitação do ascetismo cristão. Como pode haver amor?

Se a Deusa é antiga e amplamente presente em diversas culturas, o Deus também o é. Na antiguidade, havia sociedades matriarcais, patriarcais, sedentárias, nômades, caçadoras-coletoras, agrário-pecuaristas. Culturas diferentes, crenças diferentes, Deuses diferentes. Assim como a Deusa-Mãe, a Deusa-Serpente, a Deusa Terra, é uma constante, o Deus Pai, o Deus Touro, o Deus Céu é igualmente constante, portanto são contemporâneos.

A união do Deus com a Deusa era tão importante que sobreviveu ao aculturamento cristão até os dias de hoje, custa entender porque exatamente no Paganismo Moderno, queiram fazer o mesmo que as religiões abraâmicas fizeram, divorciando o Deus da Deusa. Nós sofremos com as consequências desse divórcio.

Sem a Deusa, o Deus se torna violento, ciumento, vingativo.

Sem o Deus, a Deusa se torna frígida, histérica, rancorosa.

Sem o Deus, quem irá arar a terra? Sem o Deus, quem irá semear a semente? Sem o Deus, quem irá ceifar o trigo? Sem o Deus, quem irá nos conduzir para dentro do ventre da terra? Sem o Deus, quem irá colocar o cetro no trono? Sem o Deus, a Deusa não pode ser coroada e o trono fica vazio.

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