quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Mais devotos das matrizes africanas

Milhares de devotos de diferentes religiões de matriz africanas se reuniram na praia da capital uruguaia em 2 de fevereiro como parte de uma oferenda anual à deusa da fertilidade e prosperidade, Iemanjá.

“A pessoa olhava para o mar para retornar à liberdade, à África natal”, disse Susana Andrade, conhecida como “Mãe Susana de Oxum”, presidente da Federação Afro-Umbandista do Uruguai. “Foi uma maneira de escapar do horror da escravidão e humanizar a natureza.”

Os seguidores de religiões africanas estão em ascensão na América do Sul, segundo novos dados, e isso pode ser um reflexo de como a herança africana da região está ganhando mais voz além do Brasil, onde essas tradições são amplamente reconhecidas.

Pesquisas sobre crenças religiosas na Argentina e no Uruguai apontam para um número crescente de pessoas que se identificam com crenças de matriz africana.

Sasha Curti, que cresceu em uma família uruguaia predominantemente católica, foi até a praia de Ramirez, em Montevidéu, com membros de seu templo de Umbanda para agradecer a Iemanjá.

“Não estamos mais escondidos”, disse Curti, que trabalha como cabeleireira especializada em cabelos afro, uma mudança que ela atribuiu a uma maior educação sobre sua história. “Mas ainda há muita discriminação e trabalho a ser feito.”

Ao longo da praia de Ramirez, grupos cavam altares rasos na areia, colocando velas, melancias e milho como oferendas a Iemanjá, muitas vezes chamada de rainha do mar, para pedir boa sorte.

A umbanda, assim como o candomblé, foi popularizada pela primeira vez no nordeste do Brasil e tem suas raízes no comércio transatlântico de escravos.

De acordo com os pesquisadores, os fiéis combinavam crenças nativas africanas com elementos do catolicismo e tradições indígenas locais, criando religiões sincréticas que não foram detectadas pelos europeus.

Mais de 2% da população do Uruguai se identifica como seguidora de religiões de matriz africana como a Umbanda.

Uma pesquisa realizada pela socióloga uruguaia Victoria Sotelo, da Universidade da República, constatou que o número de pessoas que praticam uma religião de origem africana no país mais do que dobrou em 12 anos, atingindo 2,1% da população em 2020, em comparação com 0,7% em 2008.

Na Argentina, os adeptos também estão aumentando, embora estejam partindo de uma base mais baixa. O instituto de pesquisas sem fins lucrativos Latinobarómetro constatou que 0,3% da população argentina em 2023 afirmou ter praticado uma religião afro-americana por pelo menos seis anos, em comparação com 0,1% em 2008.

Um possível fator contribuinte é o crescente reconhecimento da identidade cultural afrodescendente que há muito tempo é silenciada na Argentina e no Uruguai.

Em um sinal de mudança de percepção da identidade racial, a Argentina incluiu formalmente uma pergunta sobre afrodescendentes em seu censo nacional de 2022, o que foi visto como uma vitória pelos ativistas.

“Há uma população [negra] muito grande na Argentina que, devido ao processo histórico pelo qual passou, não se reconhece como uma pessoa de ascendência africana”, disse Greta Peña, ex-diretora do Instituto Nacional Contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (INADI) da Argentina.

Existe um “mito fundamental” de uma Argentina estritamente europeia, disse ela, que ajudou a apagar a cultura negra da consciência da nação.

O Paraguai, por outro lado, aprovou uma lei antidiscriminação em 2022 para proteger as pessoas de ascendência africana.

Este ano, o Colectivo Hijos de la Diáspora de Uruguay, um grupo dedicado ao reconhecimento da cultura de origem africana, espera que, quando os resultados de 2023 forem publicados, a porcentagem de pessoas que se identificam como afrodescendentes estará bem acima dos 8% registrados no censo de 2008.

Os devotos dessas religiões não são exclusivamente de origem africana, mas a maior adesão às práticas espirituais tradicionais está ajudando a aumentar a consciência racial de forma mais ampla.

Embora as religiões tenham ganhado terreno, com seus costumes sociais relativamente liberais e foco na comunidade, mais trabalho precisa ser feito para combater a estigmatização, alertou Mãe Andrade.

As histórias orais e as tradições associadas às religiões africanas foram mal interpretadas ou demonizadas como “bruxaria”, explicou ela.

“Conquistamos o direito de praticar a religião, o que, em teoria, nos protege da discriminação”, disse ela. “Mas, na realidade, não temos nem mesmo templos isentos de impostos, como as igrejas, e não somos tratados com igualdade.”

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/na-america-do-sul/

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