sábado, 7 de outubro de 2023

Mais comum do que se pensa

De acordo com uma estimativa de 2017 do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), entre 0,5% e 1,7% da população mundial é intersexo. No Brasil, isso significaria 3,5 milhões de pessoas.

Além disso, a medicina pontua mais de 40 tipos de DDS (Diferenças de Desenvolvimento do Sexo). Para além dos casos com genitália ambígua, existem casos hormonais, como o da influenciadora Karen Bachini , e também cromossômicos.

“Eu descobri quando fui sozinha para o ginecologista pela primeira vez, porque antes eu só ia com minha mãe. Eu já tinha 27 anos quando descobri. O médico falou: ‘Você é hermafrodita, você sabe né?’ A minha reação foi: ‘Mas eu não tenho pênis’, e ele explicou a minha situação”, compartilha Môni Porto, advogada, conselheira da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ/SE) e integrante da Abrai (Associação Brasileira Intersexo).

A história de Môni reflete uma realidade que objetiva invisibilizar pessoas intersexo e as diferentes formas de manifestação biológica no corpo de uma pessoa com a mesma condição. Môni diz que se não tivesse ido ao médico sozinha, ela não saberia que é uma mulher intersexo. “Descobri um segredo de família.”

Para ela, é superimportante conversar sobre as condições que faz uma pessoa ser intersexo. “Normalmente a pessoa intersexo não consegue tomar a mesma dosagem hormonal que outras pessoas, então para a saúde daquela pessoa é importante ela saber todas as especificidades do corpo”, adiciona a advogada.

Após saber que era intersexo na fase adulta, ela reconhece que a consequência principal foi se inteirar do debate e passou a lutar em prol da causa. “Eu comecei a falar sobre minha intersexualidade. Com isso, as pessoas pararam de ver a advogada e viam uma ativista. Até hoje luto para ter uma imagem mais profissional”, afirma.

Thais Emília, ativista e presidente da Abrai (Associação Brasileira Intersexo) enfatiza que embora haja mais de 40 tipos de DDS, também é possível que uma pessoa seja intersexo sem ter a interferência das diferenças de desenvolvimento do sexo, podendo a intersexualidade se manifestar também por meio de: “questões genéticas únicas, translocações, deleções, cromossômicas, alterações hormonais natas entre outros.”

“As mais comuns são as que têm rastreio, como no teste de pezinho. Porém, há muito mais bebês e adultos intersexo do que se imagina. Tem também a síndrome de Klinefelter, a de Turner, e a própria SOP (Síndrome do ovário policístico)”, lista Thais, que também soube que era intersexo adulta.

Thais passou a integrar à luta intersexo após saber que o filho Jacob nasceria com a identidade. Após o nascimento, ele viria com a intersexualidade aparente, com uma genitália ambígua. Infelizmente, ele morreu com um ano, mas tornou-se um símbolo para a luta intersexo brasileira.

Thais destaca ainda que não são todas as variações hormonais que caracterizam uma intersexualidade. Para as mulheres biológicas, apenas o processo hormonal de hiperandrogenismo pode ser considerado uma condição intersexo, que é quando há o aumento dos níveis de hormônios masculinos no corpo da mulher. Já para os homens, é quando ocorre o processo de não virilização.

“Ser intersexo é uma condição mais comum do que se pensa porque não são todos os casos que são visíveis ao nascimento. Muitos têm condições intersexo internas que só aparecem na puberdade ou na fase adulta. Quando você faz o cariótipo, se descobre que existem muito mais pessoas intersexo do que se imagina”, pontua.

A importância do Dia da Visibilidade Intersexo, celebrado nesta quinta-feira (26), é enorme e tem ganhado cada vez mais força a nível mundial, aponta Thais.

“Isso se deve ao fato de que alguém pode não ser intersexo, mas, no futuro, poderá ter um filho intersexo ou conhecer alguém nessa condição, e é crucial saberem como orientar e entender as questões relacionadas. Não se trata apenas de uma questão de identidade de gênero, mas envolve muitas questões de saúde”, completa.

Para ela, falar sobre as vidas intersexo não serve apenas como uma luta contra cirurgias irreversíveis em bebês intersexos, mas também como uma oportunidade de discutir a pessoa intersexo e o bebê intersexo como sujeitos de suas próprias vidas. “É absurdo realizar cirurgias em bebês intersexos”, defende.

Com a naturalidade dessas vivências, Thais acredita que também é uma forma mais efetiva para que se crie políticas públicas para esse grupo e mais pessoas busquem saber se são intersexo ou não.

“É primordial falar sobre a intersexualidade, porque a gente sabe que tem uma subnotificação enorme. Por exemplo, na minha família tem quatro pessoas intersexo e nenhuma foi notificada nos sistemas de nascimento do governo. Falar sobre a intersexualidade é chamar atenção para a existência de corpos com variações das características biológicas e sexuais e que isso é algo da natureza humana.”

“É importante sempre falar da nossa condição, até porque não é só as pessoas, mas profissionais da medicina, em sua maioria, tratam essas variações como se fossem doenças e faz com que as pessoas não compreendam como o próprio corpo funciona”, complementa Môni.

Ser intersexo é considerado uma questão biopsicossocial, por envolver não apenas fatores biológicos, mas também acarreta sofrimentos sociais e vivências psíquicas e sociais únicas para aqueles que têm uma variação corporal que não se encaixa na norma binária do homem e da mulher, explica Thais.

“Mesmo para alguém que nasceu intersexo, essa condição é inerentemente biológica e congênita. A pessoa nasceu dessa forma, e fazer cirurgias e usar hormônios para se adequar a um gênero específico não altera essa realidade. Sempre será necessário o uso de hormônios, porque se a pessoa parar de tomá-los, o corpo começa a funcionar de maneira diferente. Isso também se aplica às cirurgias, que às vezes podem resultar em mudanças”, expõe.

Além disso, Thais explana que não existe pessoas intersexo cisgênero. Ou é trans ou ipsogênero.

“O que acontece é que uma pessoa intersexo pode, por exemplo, ser considerada uma pessoa intersexo ipsogênero, caso tenha sido designada como um gênero no nascimento e permaneça nesse gênero com o uso de hormônios. Por outro lado, se uma pessoa intersexo nasceu designada como mulher e posteriormente transicionou para o gênero masculino, ela seria considerada uma pessoa intersexo trans. Portanto, é importante diferenciar essas situações”, finaliza.

Fonte, citado parcialmente: https://queer.ig.com.br/2023-10-26/ser-intersexo-mais-comum-do-que-se-pensa-diz-presidente-abrai.html

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