terça-feira, 11 de abril de 2023

Publicado catálogo ligado ao Candomblé

Rio - Mãe Nilce de Iansã está vestida com a roupa da tradição do candomblé: saia de baiana, pano da costa, ojá na cabeça e os fios de contas, que são os colares de proteção. "Se eu sair assim na rua as pessoas até me apedrejam", comenta, marcando um traço da nossa sociedade que ainda persiste em existir, o da intolerância religiosa. Uma singela forma de combatê-lo está em suas mãos, a publicação que folheia enquanto explica os motivos de seu lançamento. É o catálogo 'Moda de Terreiro', que registra as vestimentas transmitidas pela cultura oral através de gerações.

"Tudo o que sabemos veio da oralidade. Nada é aprendido na faculdade ou na internet. O catálogo é uma forma de registrarmos esse saber ancestral, que deve ser respeitado. Nossa moda não vai ferir ninguém. Daí a importância de as pessoas verem, conhecerem a beleza e a cultura das nossas vestes", diz Mãe Nilse, de 71 anos.

Ela coordena o Ateliê Obinrin Odara, onde as peças de roupa são produzidas. O espaço faz parte do terreiro Ilê Omolu Oxum, fundado por Mãe Meninazinha de Oxum, de 85 anos, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em 1968. O ateliê foi criado em 2013 como forma de qualificar as mulheres que buscam acolhimento na casa de candomblé para o mercado de trabalho, a partir de oficinas de costura, bordado e criação de adereços, que também ilustram o catálogo.

"Muitas mulheres nos procuram. E as demandas são diversas, a maioria porque perderam o emprego ou estão sofrendo violência doméstica. Nós, mães e pais de santos, somos como psicólogos, a gente sabe muito bem da importância da escuta. Nossa função principal é de acolher quem está precisando, não importa a cor da pele, a origem ou a religião", explica Mãe Nilce.

Além de combater a intolerância religiosa, outro objetivo do lançamento do catálogo é dar visibilidade à produção do ateliê e, assim, gerar renda para as costureiras. Uma delas é Márcia Regina dos Santos, Márcia de Xangô, de 48 anos. Enquanto trabalha na produção de uma bombacha de Oxóssi, ela conta que chegou ao terreiro em 2008, onde aprendeu a tradição das vestimentas nas conversas com Mãe Nilce e Mãe Meninazinha.

"Sempre tive curiosidade pela costura. Comecei com muita vontade de fazer minha saia de santo. Fui aprendendo com elas e, nas conversas, vão surgindo coisas novas, na combinação de cores e tecidos", diz Márcia, que tem formação como técnica de enfermagem e complementa, com a produção no ateliê, a renda de seu trabalho como cuidadora de idosos.

À frente de onde Márcia trabalha no ateliê, ficam as várias peças do tecido Ankara, importadas da África.

"Quem gosta de luxo somos nós. Os orixás não ligam para isso", Mãe Nilce faz questão de ressaltar. 

O catálogo tem 40 páginas e tiragem de mil exemplares. Ele é distribuído gratuitamente, em eventos ou para os visitantes que vão ao terreiro. Os modelos são os próprios filhos e filhas de santo do Ilê Omolu Oxum. Ao lado das roupas usadas nos terreiros, em festas ou ocasiões especiais, estão criações novas que, inspiradas na tradição, se adequam à moda contemporânea e podem ser usadas no dia a dia, em qualquer ocasião.

Um dos exemplos são as camisas de gola polo com botões que trazem estampadas as imagens dos orixás do candomblé Ogum e Xangô e também de Zé Pelintra, da Umbanda.

"Nós respeitamos todas as religiões. A peça com a imagem de Zé Pelintra mostra isso. Como seria bom se nós fôssemos respeitados como respeitamos os outros. Ao trazer essas imagens em peças para o dia a dia, buscamos desconstruir o imaginário negativo que as pessoas têm em relação à nossa crença. É como dizia Nelson Mandela, ninguém nasce preconceituoso, as pessoas aprendem a sê-lo. O catálogo é também uma forma de combatermos isso", diz Mãe Nilce.

O catálogo 'Moda de Terreiro' foi lançado no último dia 20, no Museu da República, durante cerimônia que marcou a assinatura de um convênio para ampliar o material de pesquisa da Coleção Nosso Sagrado, formada por 519 objetos das religiões de matriz africana que foram apreendidos pela polícia do Rio entre 1989 e 1946. A ida do acervo para o museu foi uma luta de décadas de Mãe Meninazinha de Oxum.

O convênio foi firmado entre o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a Defensoria Pública da União e o Museu da República. O objetivo é analisar os inquéritos policiais sobre a apreensão desses objetos.

Fonte: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2023/04/amp/6607166-catalogo-registra-a-historia-oral-ligada-as-vestimentas-do-candomble.html

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