quinta-feira, 2 de março de 2023

O papel da bruxa na Rússia

Elas eram muito diferentes das europeias: ajudavam os empresários no comércio, encontravam bens roubados e eram tratadas como uma alternativa a médicos e policiais. No entanto, as bruxas também levavam a culpa por desastres naturais e epidemias.

A bruxa russa não era igual à europeia. Na Rússia havia menos bruxas do que feiticeiros, e elas também eram queimadas - mas não na fogueira. Além disso, pessoas nobres e até membros da família real às vezes recorriam a seus serviços.

A palavra russa "vedma" ("bruxa", em português) provém do verbo "vedat" ("saber"). Ou seja, uma "vedma" tinha um conhecimento secreto.

Desde a Rússia medieval até o século 18, as bruxas eram membros importantes da sociedade. Elas se dedicavam ao tratamento de doenças e envenenamentos, feitiços de amor e despedidas, previam o futuro com ajuda de livros de adivinhação.

Mas as bruxas podiam ser executadas: às vezes, por espancamento com chicotes, mas quando condenadas por malefícios, podiam ser queimadas em uma casa de madeira.

Nas aldeias russas, qualquer mulher podia ser considerada uma bruxa apenas por um modo de vida considerado “errado” do ponto de vista da sociedade local. “O status de bruxa geralmente era atribuído a mulheres que se desviavam do modo de vida social costumeiro, associado principalmente à implementação de funções familiares”, escreve a etnógrafa Tatiana Schepánskaia no artigo "Homens e mulheres na cultura tradicional russa".

As “prostovoloski”, ou seja, moças que tinham pecado antes do casamento; as "samokrútki", ou seja, mulheres que tinham se casado por vontade própria sem aprovação dos pais; as "vekuvókhi", ou seja, moças que não tinham conseguido se casar: todas elas eram acusadas de bruxaria e charlatanismo.

Em seu artigo "Religião e o Declínio da Magia", Keith Thomas afirma que mulheres que precisavam frequentemente de ajuda doméstica eram as mais vulneráveis e, para ter um motivo para rejeitá-las, eram "declaradas" bruxas e expulsas da sociedade.

No entanto, havia também mulheres que ganhavam a vida com feitiços e eram bruxas profissionais.

Ao contrário da Europa, na Rússia as bruxas nem sempre eram solteiras. O livro de Nikolai Novombergski “Feitiçaria na Rússia moscovita do século 17” indica o estado civil de algumas feiticeiras urbanas: eram esposas de diáconos, artilheiros, arqueiros, mercenários e outros.

Quase todas as bruxas pertenciam a classes sociais mais baixas e desfavorecidas: servos, camponeses e estrangeiros (como tártaros e circassianos).

As bruxas e feiticeiras russas eram, em geral, muito pobres. Os serviços de bruxaria não custavam quase nada e muitas delas viviam de esmolas.

“Os malefícios eram a arma dos fracos e indefesos”, escreve Nada Boszkowska, uma historiadora suíça especializada em estudos femininos na Rússia. "As mulheres usavam o medo de bruxaria para assustar aqueles que eram mais poderosos e fortes", escreve.

Não existem menções em fontes russas sobre bruxas praticando o mal: elas nunca causavam mau tempo, não invocavam o diabo e não realizavam sacrifícios humanos.

A sociedade russa precisava de bruxas por outras razões: elas desempenhavam funções cerimoniais, eram especialistas em medicina tradicional e até ajudavam a investigar roubos.

Feiticeiras e bruxas de aldeia, bem como viúvas e solteiras, participavam de vários rituais pagãos, como, por exemplo, o rito da “lavoura”, que protegia o gado da aldeia da "morte das vacas”, ou seja, de doenças.

Na ausência de assistência médica, eram as bruxas que ajudavam a curar dor de dentes, hérnias, a "doença negra" (como chamavam a epilepsia) e outras doenças. As bruxas usavam plantas, raízes e pedras para curar.

Mas elas, obviamente, não só curavam como também podiam infligir doenças e malefícios. Nas aldeias, as bruxas eram frequentemente acusadas de soluços, convulsões histéricas, "doença seca" (tuberculose) e impotência sexual masculina. As bruxas podiam causar e curar hérnias, fazer feitiços de amor etc.

As pessoas roubadas, enganadas e com problemas no serviço também recorriam a bruxas. Segundo registros, em 1647, em Moscou, o camponês Simon foi roubado e procurou ajuda da feiticeira Dária, que ajudou a encontrar o culpado. Em 1658, em Lukha, uma bruxa camponesa espalhou sal encantado para que seu marido fosse libertado da prisão.

As bruxas de Moscou enfeitiçavam comércios e vendiam dicas. Por exemplo, no final do século 17, uma bruxa disse a um comerciante "enterre a cabeça de um urso no meio do pátio. Assim, terá mais gado".

Na Rússia, qualquer mulher podia se tornar bruxa, não por meio do contato com o diabo, mas por meio da comunicação com criaturas de outro mundo. A etnógrafa Schepánskaia escreve que uma moça de Nôvgorod, abandonada pelo namorado, sonhava com um urso feiticeiro que revelou um conhecimento secreto para ela. Assim, a moça se tornou uma curandeira conhecida. O demônio (chamado de "patrono do outro mundo") substituiu seu marido e deu um novo sentido a sua vida.

O acesso a esse demônio “patrono” ou poder arcano (que na verdade era o tal urso feiticeiro) podia ser obtido através de outro feiticeiro ou bruxa, por exemplo, no momento de sua morte.

Na região de Novgorod, foram encontradas repetidas referências a serpentes de fogo. Esse demônio podia ser criado encontrando um "ovo de galo" (um ovo de galinha macio e subdesenvolvido do tamanho de um ovo de codorniz).

As bruxas carregavam tais ovos debaixo do braço por duas semanas, mantendo um voto de silêncio. Segundo a lenda, desse ovo deveria nascer uma serpente, que levaria leite das vacas alheias para a dona de casa - bastava colocar potes vazios no parapeito de uma janela aberta à noite.

A caça às bruxas geralmente estava associada a situações de crise na vida da aldeia. Seca, epidemias e epizootias - tudo isso serviu de pretexto para encontrar culpados.

A maneira mais fácil era pegar a bruxa durante o rito. Por exemplo, acreditava-se que, ao amanhecer, as bruxas faziam nós nas espigas de trigo no campo, caminhavam com os cabelos soltos e arrastavam uma toalha de mesa atrás de si.

As bruxas podiam se transformar em animais - um gato, um cachorro ou um porco. Assim, às vezes, os moradores das aldeias costumavam pegar animais de rua e deixar marcas nos seus corpos - um corte na orelha ou no focinho. Se o suspeito não passasse bem no próximo dia, a "culpa" era provada.

As mulheres da aldeia vigiavam de perto as mulheres não casadas. Se a luz da casa estivesse frequentemente acesa durante a noite, isso significa que a bruxa se encontrava com serpentes de fogo ou com Léchi, o guardião da floresta.

Se uma mulher solteira tivesse filhos fora do casamento, considerava-se que "ela tinha dado à luz um filho do diabo". Se uma velha "não era levada pela morte", era necessário perguntar-lhe a quem ela tinha lançado o feitiço - já que as bruxas não são enviadas para o outro mundo por seus pecados.

A bruxa "comprovada" não só era evitada, mas também podia ser punida. As bruxas eram expulsas de casa, não recebiam sal, fósforos e farinha. Às vezes, os moradores locais incendiavam a casa ou até a própria bruxa.

No distrito de Pochekhônski, na província de Iaroslavl, no final do século 19, os camponeses suspeitaram que o gado tivesse morrido devido a feitiços de uma velha bruxa e tentaram queimá-la em casa. O padre da igreja local, porém, salvou a mulher.

Em geral, a execução por bruxaria não era algo comum na Rússia. Dos 99 casos de bruxaria em Moscou entre 1622 e 1700, apenas 10 bruxas foram executadas.

Elas não foram amarradas a postes, mas queimadas em casas de madeira.

Fontes russas também não indicam se as bruxas costumavam se reunir. “As fontes escritas russas não mencionam sabás das bruxas”, escreve Nada Boskovska.

Os russos tinham maneiras de detectar as bruxas, mas não havia "testes", como imersão em água ou busca por símbolos ou sinais diabólicos no corpo. As punições, para a maioria dos casos de bruxaria, não eram diferentes de outras punições para casos criminais. A execução por espancamento com chicotes ou exílio na Sibéria eram punições comuns às bruxas cuja culpa era “comprovada”.

Outra diferença importante é que, na Rússia, a feitiçaria não era um assunto exclusivamente feminino. Sempre houve menos mulheres acusadas de bruxaria que homens.

Segundo a historiadora especializada em bruxaria Valerie Kivelson, no século 17, houve 223 julgamentos por bruxaria. Dos 495 acusados, 367 (74%) eram homens e apenas 128 (26%) eram mulheres.

Fonte: https://br.rbth.com/historia/87527-5-curiosidades-sobre-as-bruxas-russas

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