sábado, 11 de fevereiro de 2023

A homossexualidade não é pecado

Entrevista: Luís Corrêa Lima, padre católico, teólogo e doutor em historia, professor da 
Pontifícia Universidade Católica de Rio de Janeiro. 
Por Bruno Bimbi. Critica de la Argentina, 11/15/2009. 
Numa entrevista publicada por este jornal, um representante da Igreja chilena disse 
que “a homossexualidade não está no plano de Deus” e que “é consequência do 
pecado original”. Qual sua opinião?
Para conhecer o plano de Deus, precisamos ouvir a linguagem da criação. Conforme o 
papa, a fé no criador leva ao dever de escutar essa linguagem. Na natureza, a 
homossexualidade já foi documentada em mais de 450 espécies animais, e no ser 
humano existe em todas as culturas conhecidas. Buscar no pecado original a origem da 
homossexualidade é um erro. 
A homossexualidade é pecado?
A condição homossexual em si nunca é pecado, porque não se trata de uma escolha livre 
da pessoa. Com relação ao comportamento ou às escolhas, aí sim entra a liberdade. 
E que comportamento deve ter um cristão homossexual?
Todo ser humano é, antes de tudo, chamado a amar e ser amado. O Concílio Vaticano II
ensina que a consciência é o sacrário onde Deus se manifesta, e ninguém deve agir 
contra sua própria consciência nem ser impedido de agir de acordo com ela. As pessoas 
adultas muitas vezes devem tomar decisões em situações complexas, onde as normas da 
sociedade e as instituições não prevêem de maneira adequada todas as circunstâncias. O 
cristão adulto deve ser adulto também na sua fé, colocando-se diante de Deus e da sua 
consciência. 
Por que a hierarquia da Igreja condena a homossexualidade?
A Igreja tem seus alicerces na milenar tradição judaicocristã, mas está espalhada pelo 
mundo, vivendo na cultura moderna. No judaísmo antigo, acreditava-se que o homem e 
a mulher haviam sido criados um para o outro, para se unirem e procriarem, e o 
homoerotismo era considerado uma abominação. Israel devia se distinguir de outras 
nações de várias maneiras, entre elas, proibindo-o. O cristianismo herdou essa visão 
antropológica com sua interdição. A Doutrina da Igreja corresponde a uma longa 
sedimentação, de muitos séculos. O consenso sobre a compreensão da Bíblia e da 
chamada lei natural não é imutável, mas não muda rapidamente. 
Costuma-se dizer que a Bíblia condena a homossexualidade. É verdade?
A Bíblia expressa a fé do antigo povo de Israel e das primeiras gerações cristãs. Nesta 
expressão, a palavra de Deus está presente. A Revelação divina se encarna na 
linguagem e nas categorias humanas e tem um enraizamento sociocultural, mas não deve ser confundida com ele. Na Bíblia, há uma cosmologia na qual o mundo foi criado
em seis dias e a Terra surgiu antes do Sol e das estrelas. Há uma antropologia na qual o
homem vem do barro e a mulher vem da costela do homem. E nessa antropologia
também se proibia a união entre dois homens e entre duas mulheres. Não se deve seguir
tudo ao pé da letra, como se hoje fosse necessário entender assim. Na Bíblia, não há
respostas para todas as nossas perguntas.
O Levítico diz: “Não te deitarás com homem como se fosse mulher, é abominação”,
mas também diz que é “abominação” comer animais do mar ou do rio sem barbatanas
ou escamas. Por que a Igreja condena a homossexualidade mas não a ingestão de
mariscos?
Esta parte do Levítico trata do código de santidade, que regulamenta o culto de Israel e
estabelece as diferenças que deve haver entre este povo e os demais. Quando o
cristianismo se expandiu entre os povos não judeus, este código deixou de ser
normativo. No entanto, como a proibição do homoerotismo permaneceu, estes
versículos continuam sendo citados. Sem dúvida, é uma leitura retrospectiva e seletiva.
Como você interpreta a expressão “contra natura” presente na Epístola de São Paulo e
indicada como referência à homossexualidade?
A carta de São Paulo aos Romanos contém uma refutação do politeísmo. Os pagãos não
adoravam um deus único e, como permitiam o homoerotismo, que era abominável para
os judeus, isto era visto como castigo divino pela prática religiosa equivocada. No
contexto judaicocristão da antiguidade, este argumento era compreensível, mas não
deve ser usado hoje para indivíduos constitutivamente gays, para quem a orientação
sexual não tem nada a ver com a crença em um ou em vários deuses.
Alguns defendem que a relação entre Davi e Jônatas, assim como a de Rute e Noemi,
era homossexual. Diz a Bíblia que Davi e Jônatas “beijaram-se um ao outro” e em uma
passagem Davi diz a Jônatas: “Teu amor foi para mim mais maravilhoso que o amor
das mulheres”. Qual a sua opinião?
Nós lemos isso hoje e podemos pensar em homossexualidade. Mas para os primeiros
leitores judeus da antiguidade, observantes da Lei de Moisés, isso era inadmissível. De
qualquer maneira, um texto pode ultrapassar sua época e contexto e ser lido em outro
horizonte de interpretação, gerando novos sentidos em novos leitores.
É possível ser homossexual e católico ao mesmo tempo?
Sim. A Igreja nasceu rompendo as fronteiras do judaísmo no primeiro século,
incorporando multidões de povos que não eram circuncidados. Hoje, pode-se também
conceber uma identidade simultaneamente gay e cristã, estimulando as comunidades
locais a acolher as diversidades.
Na página da agência católica ACI, as notas mais destacadas são declarações contra o
matrimônio gay. Por que tanta obsessão contra os homossexuais?
Certa vez, o papa Bento XVI disse que o cristianismo “não é um conjunto de proibições,
mas uma opção positiva”. Essa consciência hoje desapareceu quase completamente. Há no cristianismo uma tradição de séculos de proibição, medo e culpa. Convém retornar às
nossas origens. A palavra evangelho quer dizer “boa notícia” e, para os cristãos, é o
amor de Deus e sua salvação, revelados em Jesus Cristo. Hoje é necessário focar a
dimensão positiva e alegre da mensagem cristã.
Segundo Boswell, a Igreja nem sempre condenou a homossexualidade e chegou a
celebrar casamentos homossexuais no passado. É verdade?
A história da Igreja é vastíssim; abrange um terço da humanidade por vinte séculos.
Boswell é bastante documentado e é provável que o que diz tenha acontecido, mas estas
práticas não se tornaram hegemônicas. No entanto, podem ajudar a pensar esta questão
no presente e no futuro.
Acredita que chegará o dia em que a Igreja Católica aceite casar homossexuais, como
fazem algumas igrejas protestantes?
O futuro é imprevisível, mas a Igreja Católica sempre está inserida num contexto mais
amplo, que é a sociedade. Quando a sociedade muda, a Igreja acaba mudando. A
modernidade vem desencadeando grandes mudanças na Igreja nos últimos séculos, e
esse processo continua.
Suponhamos, num exercício de ficção, que essa mudança ocorresse. Como padre,
gostaria de casar um casal gay?
Se a Igreja algum dia aceitar, eu não vou recusar.
Você coordena um grupo de pesquisa sobre homossexualidade e religião na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. Como surgiu e que trabalho realiza?
Meu interesse pelo tema nasceu do meu trabalho como sacerdote, encontrando pessoas
nascidas e criadas na Igreja que se descobriam gays e viviam conflitos. O foco do
projeto é a complexa relação entre religião e homossexualidade, e suas repercussões no
espaço público e no exercício da cidadania. Temos grupos de estudo, trabalhos e teses
concluídas ou em andamento, publicações e atividades dentro da agenda universitária.
Alguma vez se sentiu pressionado pela hierarquia da Igreja para não se manifestar
sobre estes assuntos?
A Companhia de Jesus realiza um trabalho apostólico de fronteira, nas encruzilhadas
ideológicas onde há conflito entre as aspirações humanas legítimas e a mensagem
evangélica. Isto inclui fazer pontes com os que estão fora da igreja e têm dificuldades
com suas posições. Como jesuíta, sinto-me muito comprometido com este trabalho. Mas
como membro da Igreja, eu não posso ignorar minha pertença e certas tradições. É um
equilíbrio delicado, e eu trato de ser cuidadoso para evitar problemas maiores.
Texto resgatado com Wayback Machine.

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