Foi em Crotona, cidade dórica da Magna Grécia, situada no golfo de Tarento, no sul da península itálica, que Pitágoras, já por volta de seus 55 anos de idade, fundou sua Escola de Mistério. O pitagorismo fazia preservar tanto a milenar tradição grega dos ritos órficos de iniciação, como detinha outros segredos que o mestre fora buscar no Egito e no Oriente Médio ao longo de 34 anos de andanças e exílio.
O Senado de Crotona, em princípio contrário à fundação da Escola, aquiesceu após ouvir do mestre uma explanação acerca de seus propósitos de formar um instituto voltado à formação dos jovens, preparando-os para uma vida regrada nos princípios da moral e da justiça, para que melhor pudessem servir à sociedade e ao Estado. Por detrás desta determinação pedagógica estava a pretensão de melhorar sensivelmente o mundo a partir da transformação de cada ser humano, de modo a fundamentar gradativamente sobre os ideais filosóficos e religiosos do orfismo toda uma complexa organização política que, começando por Crotona, poderia estender-se pelas demais cidades de todo o império grego. Pitágoras, com sua eloqüência sincera os convencera a todos, mostrando que longe de ameaçar a Constituição de Crotona, a criação de sua Escola prestar-se-ia mais a alicerçá-la.
Com apoio dos cidadãos mais ricos e dos mil políticos mais influentes (os do Conselho de Crotona), em poucos anos o instituto pitagórico estava erguido. A população que o freqüentava batizou-o de Templo das Musas, posto que as nove musas das artes e das ciências achavam-se representadas em seus jardins, todas voltadas para a estátua de Héstia (Vesta para os romanos), musa central que simbolizava o fogo sagrado, para Pitágoras o princípio eterno de todas as coisas manifestas. No Templo de Héstia, a chama sagrada era mantida permanentemente acesa, alimentada pelos discípulos, a representar a luz da divindade maior, cuja imanência de vida a tudo sempre envolvia. Funcionasse hoje, o instituto pitagórico seria declarado serviço de utilidade pública, pois, além de servir como escola de jovens e academia de ciências, mantinha seus imensos pórticos sempre abertos, pronto a receber diariamente em seu amplo espaço delimitado por cerca viva de heras, pessoas de todo lugar, que ali vinham passear e ouvir preleções, principalmente quando proferidas por seu enigmático mestre, cuja personalidade se mostrava ao mesmo tempo austera e carismática, dotado de uma sabedoria que se sustentava sobre verdades milenares.
Pitágoras nasceu por volta de 580 a.C., em Samos, uma das ilhas gregas do mar Egeu. Mnesarco, seu pai, era ourives; sua mãe, Partênis, cuidava do lar. Durante a gravidez, o casal fora se consultar com o Oráculo de Delfos acerca do esperado nascimento, e a pitonisa lhes teria dito: “Vosso filho será aquele que nos será útil a todos e por todos os tempos!”. Tendo completado seu primeiro ano de vida, em cumprimento à promessa que fizera em Delfos, sua mãe levou o menino para ser abençoado no Templo de Adonai, situado em terras que hoje são o Líbano. Ali, o sacerdote soltaria a semente de seu destino: “Foi dos céus que tu vieste, e tua alma banhar-se-á na luz que nasce no Oriente”. Dezoito anos mais tarde, sempre educado por bons professores que a profissão de seu pai garantia pagar (dentre eles o sábio Hermodamos), e notado por muitos como gênio precoce, já que discutia com Tales e Anaximandro, ambos mestres em Mileto, Pitágoras sentiu o forte desejo de procurar a fonte da sabedoria, o berço de onde saíra o primeiro rebento da verdade. Refletindo sobre a máxima do Templo de Adonai, inúmeras vezes sussurrada por sua mãe em seus ouvidos, o jovem decidira-se: “Vou para o Egito!”.
Por essa época, o tirano de Samos, Polícrates, era amigo de seu pai. Por coincidência, o governante tinha boas relações com o faraó Amasis, pois se estimavam mutuamente, e apressou-se em dar ao prodigioso rapaz uma carta de recomendações com seu timbre pessoal, pedindo que fosse educado pelos melhores sacerdotes de Amon. Amasis o recebeu com simpatia. Pitágoras levou a ele três peças de prata como cortesia, feitas por seu pai, e recebeu em troca uma viagem a Heliópolis, onde seria admitido nos Mistérios.
Mas os sacerdotes egípcios, não acostumados a partilhar sabedoria, mostraram-se reticentes em relação ao estrangeiro, principalmente por se tratar de um grego, de cujas intenções os egípcios sempre desconfiavam. Ironicamente, pronunciaram-se incapazes de ensinar alguma coisa àquele que já era tido como um dos maiores sábios de Samos, ainda que tão jovem. Remeteram-no então aos pontífices de Mênfis, mais velhos e experientes, para que pudessem cumprir os desígnios do faraó. Estes, por sua vez, fizeram o mesmo, mandando o rapaz a seus superiores, os severos sacerdotes de Tebas, que, estando no topo da escala de importância, mesmo a contragosto, acabaram tendo de aceitar o aprendiz. Com o passar do tempo, entretanto, Pitágoras caiu nas graças de seus preceptores, os quais passaram a enxergá-lo como autêntico neófito, capaz de enfrentar as provas com coragem e disciplina. Por isso foi considerado merecedor dos segredos iniciáticos a envolver os ensinamentos do Livro de Thot (ou de Hermes Trimegistus), além da prática de magia e teurgia. Seu aprendizado no Egito duraria 22 anos, durante os quais pôde aguçar seu senso de determinação. Encontrou na ciência dos números a compreensão do Universo, e na arte de treinar a vontade, uma preciosa chave dos Mistérios.
Já pensava em retornar à Grécia quando o Egito sofreu a conquista dos persas, chefiados por Cambises, que ostentava as coroas de Nínive e da Babilônia. Os templos de Mênfis e de Tebas foram destruídos; o faraó Psamenit, sucessor de Amasis, foi aprisionado junto de familiares e outros nobres, e morreram todos decapitados. Mas ao deparar-se com Pitágoras, percebendo suas capacidades, Cambises preferiu enviá-lo junto de outros sacerdotes à Babilônia, para que lá permanecessem exilados.
Destarte, o destino reservara a Pitágoras uma espécie de pós-graduação esotérica compulsória, já que por outros cabalísticos 12 anos permaneceu preso na antiga Babel, verdadeiro centro cosmopolita onde persas, caldeus, assírios, fenícios, tártaros, sírios e tantos outros povos da Ásia Menor conviviam numa verdadeira miscigenação religiosa e de costumes. Também judeus aprisionados por Nabucodonosor aí se encontravam, nem por isso deixando de praticar seu culto. O profeta bíblico Daniel, deportado à Babilônia em 587 a.C., é exemplo de judeu que, de escravo, foi promovido a ministro do rei persa.
Pitágoras pôde então iniciar-se na astrologia dos caldeus, confrontar sua geometria com a dos fenícios, e interessou-se pela prática ocultista dos sacerdotes magi, uma das seis tribos da Ásia Menor, expoentes na arte da magia, de onde, aliás, se deriva tal palavra. Teria ainda, segundo alguns comentaristas, conhecido pessoalmente o sábio persa Zaratustra, que o influenciou notavelmente, haja vista que vários aspectos dos ensinamentos de Crotona baseiam-se na doutrina dualista, fruto da diferenciação do ponto primordial. O filósofo Aristóteles, pouco mais tarde, comentaria o dualismo pitagórico, segundo o qual a partir da unidade se depreenderia toda a pluralidade das formas e coisas viventes. Farto exemplo dessa filosofia acha-se citado em sua Metafísica I, 5: “delimitado, ilimitado; ímpar, par; uno, múltiplo; direita, esquerda; masculino, feminino; imóvel, agitado; reto, curvo; luz, trevas; bom, mau; quadrado, oblongo”.
Desejoso por voltar a Samos, mas quase sem esperanças de o conseguir, mais uma vez o destino traçaria caminhos curiosos para nosso peregrino. Um grego, Demócedes, que se tornara médico do rei persa, intercedeu pela liberdade de seu conterrâneo, a qual foi concedida sem maiores esforços. Após 34 anos de ausência, Pitágoras pôde retornar à sua cidade. Seu pai jazia morto há anos. Reencontrou a mãe envelhecida, única pessoa que nunca duvidara de seu regresso, e achou em leito de morte seu antigo professor, Hermodamos, que expirou em seus braços satisfeito por rever seu pupilo agora feito sábio. Estando Samos subjugada pela lei de um sátrapa mesquinho que fechara os templos e expulsara da cidade os poetas e eruditos, Pitágoras não se sentiu à vontade em sua pátria, e lançou-se ao mar acompanhado de sua mãe, em direção à costa sul da Magna Grécia.
Em Crotona, o mestre discursava todas as noites. Tão logo se iniciaram suas palestras, pessoas de lugares longínquos vinham ouvi-lo. Curiosamente, Pitágoras não permitia que o vissem, falava por detrás de um biombo. Iniciava suas preleções públicas sempre reafirmando sua forte personalidade: “Juro pelo ar que respiro e pela água que bebo que aquilo que digo nunca será censurado”. Poucos afortunados eram admitidos em sua presença, seus alunos a tinham negada até que completassem cinco anos de formação e se encontrassem no segundo grau. Quanto às preleções reservadas aos escolhidos, conta-se que as encerrava também sempre de uma mesma maneira, com a máxima que restou imortalizada em latim: Magister Dixit (“Assim falou o mestre”). Ainda que possa parecer algo dito com grau máximo de autoridade, por outro lado, a frase sugere que, uma vez tendo falado o mestre, daí por diante discutam seus discípulos, para que cheguem a algum acordo quanto àquilo que devem descobrir e aprender.
Um criterioso processo de seleção vetava muitos dos candidatos à Escola. As provas eram severas. Numa estátua de Hermes à porta principal do instituto, lia-se a inscrição: “Profanos, afastai-vos!”. Pitágoras dividia seus pupilos em duas classes, os acústicos ou ouvintes, que estavam proibidos de falar (e esta fase poderia custar ao postulante de dois a cinco anos de silêncio), e os geômetras, que, além de poder perguntar, tinham livre acesso à pessoa do mestre e à doutrina esotérica.
Havia quatro graus iniciáticos obrigatórios para todo e qualquer candidato que passasse pelas já difíceis provações preliminares. O primeiro deles (Preparação) primava pelo silêncio e levava os jovens tanto ao exercício da humildade como às portas da intuição, que aflorava mediante as constantes meditações propostas. Jamais podiam dirigir palavra ao mestre e proferiam apenas orações e hinos de louvor às divindades gregas. Alimentavam-se frugalmente, exercitavam-se fisicamente e executavam danças sagradas. A partir do segundo grau (Catarse) o discípulo era recebido para ser instruído no pátio interno da casa de Pitágoras, recebendo do próprio mestre seus ensinamentos, daí a divisão entre os esotéricos (que pertenciam ao círculo interno) e os exotéricos (que se encontravam fora dele). Aprendiam a matemática, a geometria, a gramática esotérica, palavras e sinais sagrados. Introduzia-se aí a numerologia pitagórica, a mesma que hoje se encontra desdobrada, muitas vezes vulgarizada, nas várias correntes de interpretação numerológica. Segundo o mestre, o Universo inteiro está formado por números. Tudo é número. A partir do 1, fonte de todas as coisas, representado pelo ponto, ao qual Pitágoras chamou de mônada primordial, é que se estendem a linha e o princípio da dualidade, representado pelo 2. O 3 seria o número das manifestações viventes, posto que ponto e linha são virtuais, sendo só a partir do triângulo (a forma geométrica mais simples) que as coisas passam a ser percebidas por nossos sentidos. O 4 simbolizava o alicerce, base harmônica sobre a qual as coisas todas se sustentam. Seus atributos são o equilíbrio e a justiça. O 10 era outro número importante; resultado da soma dos quatro primeiros (1+2+3+4 = 10), significava tanto um ciclo concluído como o início de uma nova ordem transcendente ao plano da unidade. Os quatro primeiros números, agrupados em forma de triângulo, originam a Tetrakys, ou tétrade sagrada, usada por Pitágoras também como amuleto, visto que representava potencialmente a energia do Universo derivando-se da mônada.
Por essas razões o mestre considerava a música a maior das artes, já que toda ela é resultado da combinação de diferentes vibrações e intervalos rítmicos harmônicos que nada mais são do que a tradução sonora da linguagem dos números. Os corpos celestes também produziriam sons específicos, inerentes às suas naturezas, em conjunto promovendo aquilo a que o mestre denominou de “música das esferas”. Além disso, Pitágoras pregava o sistema heliocêntrico em detrimento da crença comum de que a Terra seria o centro do Universo.
No terceiro grau (Perfeição) ensinava-se a teoria da transmigração das almas. Pitágoras era reencarnacionista. Admitia que a alma pudesse ainda migrar para outras formas viventes não humanas, fossem animais ou vegetais, doutrina esta conhecida por metempsicose. O mestre acreditava ter sido, em outra vida, Atalides, filho do deus Hermes, que, havendo pedido ao pai a imortalidade, ao ver que esta não poderia lhe ser dada, trocou seu pedido pelo de uma memória universal, que se transferisse pelas vidas subseqüentes através de cada uma de suas mortes. Atalides teria voltado como Euforbo, soldado ferido na guerra de Tróia por Menelau; em seguida viera como Hermotimus, que teria dado provas de se lembrar da encarnação anterior ao reconhecer o escudo de Menelau entre tantos outros; e finalmente Pirro, um pobre pescador natural de Delos. Tudo isto antes de encarnar-se feito Pitágoras!
E o mestre era espirituoso. Conta-se que certa feita, vendo uns meninos a maltratar um cão, ralhou com eles em tom de ameaça: “Parem já de bater no pobre coitado, a alma dele, estou reconhecendo, é a de um grande amigo meu já falecido!” Estivesse acreditando ou não no que falava, o fato foi que os meninos, assustados, bateram em retirada.
O quarto grau (Epifania), cujo nome significa “visão do alto”, reservava ao discípulo o discernimento tanto das questões fundamentais cosmogônicas como também daquelas relacionadas aos problemas humanos, como o matrimônio, o livre arbítrio, a moral e as virtudes, e outros pontos retomados sob nova perspectiva, a dos verdadeiros iniciados, capazes de “olhar tudo por cima”.
Pitágoras casou-se já sexagenário com uma de suas alunas, uma bela jovem chamada Teano. “Não é o casamento que santifica o amor, dizia o mestre, mas o amor que justifica o matrimônio”. Teve com ela dois filhos e uma filha; o segundo filho, Telauges, chegou a ser professor de Empédocles. Pitágoras teve, porém, a infelicidade de ver sua Escola invadida por Cílon, um dos candidatos que outrora ele vetara por não ter encontrado nele o mínimo traço de caráter. E acertara! Cílon conseguiu jogar a população e o Conselho de Crotona, em época de conjuntura política caótica, contra a Escola. Por volta de 500 a.C., chefiando um exército, invadiu o instituto e promoveu sangrento massacre. Das chamas e da chacina escaparam poucos discípulos. Fontes divergem quanto ao mestre ter sobrevivido ou não. O certo é que nada nos deixou por escrito. Seus ensinamentos sobreviveram parte pela tradição oral, parte por registros de seus discípulos. Muitas de suas idéias foram, entretanto, retomadas por Platão, também por Aristóteles, depois pelos neoplatônicos e, mais tarde, por ocultistas da Renascença, desde Pico della Mirândola e Jonh Dee até nomes da ciência como Giordano Bruno e Johannes Kepler. E as verdades pitagóricas continuam vivas no seio das assim chamadas Escolas de Mistérios de nossa época. Hoje, a física moderna demonstra que os átomos pulsam e que a matéria se expressa por freqüência e vibrações; sabe-se que toda a natureza se traduz por números. Sim, o Universo é número, conforme Pitágoras, no século VI a .C., já ensinava.
Fonte: http://www.amigodaalma.com.br/2009/12/27/pitagoras-mestre-esoterico/
Nota: o tão aclamado "teorema de Pitágoras" era adotado na Babilônia mil anos antes. Leia a matéria no link:
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/babilonios-usavam-calculo-do-teorema-de-pitagoras-mil-anos-antes-da-criacao-da-teoria-afirma-cientista.phtml
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