Ariel não é sabão

Eu devo ter escrito em algum lugar sobre como as pessoas reagem quando vêem algum personagem (de quem gostam) sendo retratado de uma forma - digamos - herética.

Fãs da Marvel deram chilique quando Nick Fury foi representado por Samuel L. Jackson, ator afro-americano.

Eu fiquei incomodado com a versão live action da lenda de Aang, então eu entendo.

Quando foi anunciado o segundo filme de Frozen, foi divulgado a possibilidade de ter um personagem LGBT e a turma do fundamentalismo cristão espumou pela boca.

Eu achei que as pessoas não poderiam descer mais. Qual não é meu espanto ao ver a reação do público diante da live action da Disney para a Pequena Sereia. Desagradável, o público reagiu com comentários racistas por causa que Ariel será representada por Halle Bailey, uma atriz afro-americana. Eu espero não ser necessário frisar novamente que personagens não são pessoas reais.

O que é interessante captar é que essa animação da Disney é baseada no conto de Hans Christian Andersen de 1837.

Se fosse para ser revolucionário, Ariel teria que realizar seus sonhos sem precisar de um príncipe encantado.

Por falar em criaturas míticas relacionadas ao mar, vamos mergulhar mais fundo. Sereias, conforme os mitos, estão mais associadas à pássaros do que peixes. Na Odisseia, nós podemos acompanhar a ousadia e coragem de Ulisses que ordenou sua tripulação a amarra-lo no mastro, tapar seus ouvidos com cera e atravessar próximo de onde as sereias estavam. Ele foi o único mortal que ouviu o canto sedutor das sereias e sobreviveu.

A sabedoria antiga costuma fazer uma analogia na qual viver é como navegar um pequeno barco no imenso oceano. Nesse caso, eu devo ser um náufrago, boiando ao gosto da maré, agarrada a algum toco de madeira.

Tal como Chuck Noland, eu chego em algum litoral, eu sinto a areia, o sol e olhos verdes olhando intrigados para mim.

- Você se perdeu de seu cardume?

- Não. Eu não soube conduzir meu barco e agora sou náufrago.

- Oba! Um humano!

- Hã... Você é uma sereia?

- Sim. Sabe o que fazemos com humanos?

(apavorado)- Vocês nos comem.

- Dingdong! Nós temos um vencedor. Para sua sorte, eu já almocei, então eu vou apenas sorver sua essência.

Debilitado, nada pude fazer. Isso não pode nem será mostrado em nenhuma animação da Disney. Ariel pode muito bem ser chamada de boca de veludo. Minha consciência se esvai, junto com uma generosa e farta porção do meu creme de nozes. Eu creio ter visto, antes de desmaiar, um sorriso de satisfação no rosto dela.