domingo, 5 de junho de 2022

Fanáticos aterrorizam historiadora

Historiadora diz que Moisés não existiu. E sofre ameaças de morte.

Juliana Cavalcanti, especialista em história do cristianismo e divulgadora científica, está sofrendo ameaças de morte por falar nas redes sociais sobre a inexistência do Moisés histórico, entre outras coisas.

No perfil dela, alguém escreveu: "suas foto [sic] já ta salva. vai pagar por ter falado que moises não existiu, aguarde".

Há mensagens mais ameaçadoras, como a da foto de uma pistola como o recado "ja sabemos onde mora ja sabemos a casa do seu marido vc vai ve".

As ameaças começaram em abril de 2020.

Professora na Universidade Estácio de Sá, Rio, Cavalcanti estuda o Cristianismo Antigo, do século I ao IV.

Dedica-se ao tema há mais de dez anos, mas só agora ela e sua família são alvos do fanatismo cristão, que desde o Governo Bolsonaro se sente fortalecido.

Para historiadora, a Bíblia serve como fonte de informação assim como qualquer outro registro humano, como as obras de Shakespeare, Conto do Drácula, romance O Crepúsculo. "Tudo que resulta da ação humana é documento."

A professora abalou-se com a contundência das ameaças, a ponto de tomar tranquilizante para dormir e tem medo de sair de casa, de acordo com o portal Ndmais.

O seu conteúdo na rede social, diz ela, não ofende ninguém porque trata das personagens bíblicas do ponto de vista histórico, com metodologia científica, a partir de documentos e da comparação entre eles. Ressalta que contextualiza tudo o que diz. 

No Youtube, onde tem mais de 7 mil seguidores, ela aborda temas como a "Bíblia como fonte histórica" [vídeo abaixo], reforçando a importância da metodologia científica para entender o fenômeno religioso e suas implicações na sociedade na disputa pelo poder. Um assunto atualíssimo, que permeia hoje todo o noticiário político. 

Cavalcanti gravou uma entrevista com o professor José D’Assunção, especialista em Teoria e Metodologia da História.

Há também uma entrevista com a estudiosa Angela Natel sobre "Asherah: a esposa de Yahweh?", que serve como ponto de partida a quem quiser se aprofundar sobre a misoginia do judaísmo e cristianismo. Dá para entender por que o candelabro judaico de 7 pontas é a representação de uma árvore, uma coisificação da deusa Asherah.

O "Busca do Moisés histórico" é um dos vídeos que mais repercutiu entre "os malucos do fanatismo", como diz Cavalcanti.

De fato, como sugere a historiadora, não há como comprovar a existência de Moisés, embora ele esteja na base das religiões monoteístas judaísmo, cristianismo e islamismo e todas as atrocidades associadas a elas.

Também causou reação de fundamentalistas o vídeo "Por que Judas Iscariotes e a narrativa da traição não existiram?" A historiadora se sustenta em afirmações do Paulo e em contradições bíblicas decorrentes de manipulação de tradutores.

Em um vídeo, Cavalcanti fala sobre "A paixão de Jesus: o que está no Novo Testamento e o que é uma tradição inventada do período medieval?" Diz não se saber como Jesus foi crucificado e o que exista são narrativas construídas paulatinamente ao longo dos séculos por teologias. E esse Jesus que é retratado no cinema.

Cavalcanti registrou queixa na 20ª Delegacia de Polícia do Rio, para que os fanáticos religiosos sejam identificados e punidos de acordo com a lei. Se houver um pouco de boa vontade das autoridades, não será difícil de localizar os marginais, porque a navegação na internet deixa rastros.

A historiadora tem recebido solidariedade e apoio da comunidade acadêmica, como do GTAH (Grupo de Trabalho em História Antiga da Anpuh), que, em nota, criticou os grupos de ódio que "buscam restaurar sistemas morais e de costumes anacrônicos, que orgânica ou ignorantemente, se associam ao momento violento e reacionário”.

O professor Fábio Augusto Morales, de História Antiga da UFSC, comentou que não aceitar o método histórico, que não se interessa como e como foi escrito um documento, no caso a Bíblia.

“Essa gente entende que a pesquisa histórica como sintoma da ‘decadência da cultura'”, disse. “E a Bíblia, na história, é uma fonte como qualquer outra. Escrito em um período e por muitas mãos. Interpretamos como um texto escrito por um filósofo ou um político.”

“Tem gente que afirma que o texto [bíblico] ‘não tem contradições e fala a verdade absoluta’. E aí não dá, é contra o método [histórico e científico]”.

Fonte: https://www.paulopes.com.br/2022/05/historiadora-diz-que-moises-nao-existiu.html?m=1#.YpzetLlv_qs

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