sexta-feira, 13 de maio de 2022

Oignons de foie

A Cafeteria Pantheon onde eu trabalho no mundo espiritual tem sua própria lenda de fundação.

Depois da Titanomaquia, os (poucos) Titãs (não a banda) que sobreviveram aceitaram conviver com os Deuses no Olimpo, regido por Zeus.

Dois irmãos, Epimeteu e Prometeu, abriram uma oficina, onde faziam suas invenções. Epimeteu construía os bichos, passava horas dando forma às diferentes espécies. Prometeu se meteu (perdoem o péssimo trocadilho) em constuir nós, os humanos.

Como todo inventor, Prometeu amou sua invenção (nós) e vendo que era tratada feito gado (algo que a Igreja faz com os Cristãos) fez algo que é considerado similar ao que Lúcifer na mitologia cristã fez: ele roubou o "fogo" dos Deuses e deu para a humanidade.

Isso não agradou Zeus que aprisionou Prometeu em um rochedo e o condenou a ter o fígado comido por uma águia, por toda a eternidade, pois a ferida (e o fígado) se curava.

Um dos símbolos de Zeus é a águia, mas a assessoria de imprensa do Olimpo nega que seja o próprio que executa a punição.

Hefesto construiu e abriu a Cafeteria Pantheon na parte plana desse rochedo e o prato principal é fígado acebolado com creme de leite.

Foi ele, aliás, quem inventou Pandora, a "primeira mulher" e também a primeira funcionária da cafeteria. Como bom empreendedor, Hefesto tratou de inventar a melhor atração. Eventualmente o serviço fica prejudicado, Pandora fica muito "ocupada" no estoque, preenchendo seus quadris com o creme de nozes que os homens (e os Deuses) produzem.

Quando a Gazeta de Mercúrio estampou que Prometeu foi libertado por Hércules, Hefesto ficou apreensivo, mas o prato principal voltou algumas semanas depois.

Então chegou as Tesmofórias, quando a cafeteria abre o espaço para as almas penadas que, geralmente, chegam sem o óbulo que os vivos costumam deixar aos finados.

Apesar do trabalho triplicado, eu notei algo diferente em uma figura vestida em trapos. Havia um aura nobre, um certo cheiro de reverência que indicava que não era uma alma penada.

- Boa tarde, senhor. Qual o seu pedido?

[encarando]- O prato principal, por favor.

- Excelente escolha. Algo para beber?

- O que recomenda?

- Nós estamos com uma excelente safra de vinho de palmeira.

- Egípcio? Legítimo?

- Evidente, senhor. Nós prezamos pela reputação desse estabelecimento.

- Que seja. Não será de mim que saberão o que os funcionários fazem no estoque.

Em outro universo, em outra dimensão, isso poderia ser um problema. No mundo espiritual, especialmente nos bairros divinos, sexo nunca foi problema. Nas festas de maio, os habitantes fazem sexo ao ar livre. Eu passo o pedido ao cozinheiro e, depois de alguns minutos, entrego na mesa. A enigmática figura parece esfaimada.

- Isso está muito bom.

- Eu fico feliz em saber.

- Sabe qual é a maior ironia? Saber que esse prato foi feito em homenagem a mim.

- Prometeu?

- Não fale alto. Eu não quero ser reconhecido.

- Por que não, nobre titã? Muitos aqui são humanos e querem te agradecer por ter-lhes dado o fogo.

- Por isso mesmo que não quero ser reconhecido. Eu estou arrependido de ter dado o fogo para sua gente. Não estão sabendo dar o devido valor.

Eu quase retruquei, mas considerando a conjuntura na qual meu corpo encarnado se encontra, o fogo divino seria visto como algo demoníaco.

- Mais alguma coisa, senhor?

- Sim. Chame Pandora. Eu vou querer o "serviço especial".

Pandora aparece instantâneamente e leva Prometeu para os fundos. Quando ela volta, ela parece feliz e Prometeu parece ter perdido algo que não o fígado.

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