terça-feira, 22 de março de 2022

O caminho do peregrino

Assim como o coração cresce e se encolhe para continuar batendo, o caminho muitas vezes nega-se a si mesmo para estimular o viajante a descobrir o que existe além da próxima curva. [Sufi Hafik]
Todos nós nascemos 'ateus' ou, melhor dizendo, profanos. Não escolhemos nossa família, mas a base de todo homem vem dela e vivemos nossa infância, conforme o contexto familiar e social. Quando damos conta, nos pegamos em busca de algo, mas sem saber bem o que (ou quem). Nem sempre escolhemos de forma consciente essa busca, boa parte dessa luta nos é dada por outro. Nesses casos, a nossa realização se torna a realização de mais alguém: de nossos pais, de nossos professores, de nossos chefes, de nossos governantes e nos sentimos com alguma razão que nossa vida parece ser dirigida para propósitos alheios.
Entretanto nós fazemos algumas opções, tomamos algumas decisões que, apesar de serem pessoais, ainda assim são feitas sem saber bem o que (ou quem) se busca e o que se pretende realizar com essa busca. Costumeiramente essa busca começa por uma pergunta que nos acossa, mas nunca nos dispomos a entender por que nos perguntamos, por que nos sentimos responsáveis em encontrar uma resposta, nem por que essa resposta é tão crucial em nossa existência. Simplesmente buscamos, muitas vezes a busca se torna uma obcessão e os indícios não são vistos como objetos, mas como a verdade tão almejada. Nisso consiste a base de todo o fundamentalismo e fanatismo.
Contudo, ainda que consigamos conquistar o alvo de nossa busca, parece que nunca será o suficiente. Nos movemos, de conquistas em conquistas, de objetivos em objetivos, de buscas em buscas e acabamos como o rei Clóvis: queimamos o que adorávamos e adoramos o que havíamos queimado. Seguimos adiante, sem saber para onde, sem saber o por quê, sem saber como. De tempos em tempos, nos pegamos no meio de lugar nenhum, sem entender como fomos parar lá ou o que estamos fazendo ali. Nós somos insaciáveis, não sabemos do que temos fome, não sabemos como nos satisfazer e geralmente em nossa busca ansiamos em conquistar as mesmas coisas que os mais afortunados têm, desprezando ou negligenciando aquilo que nós temos que é desejado pelos menos afortunados.
Nós complicamos tanto essas buscas banais, complicamos ainda mais quando lidamos com buscas espirituais. De início, nós temos um grande complexo quanto à nossa condição e existência natural, não sabemos como encarar nossa espécie: o ápice da evolução cujo comportamento deixa a desejar ou uma criação rejeitada (caída) cuja virtude é omitida. No primeiro caso, buscamos por um desenvolvimento sustentável; no segundo, buscamos pela redenção (purificação) de nossas almas. Em ambos os casos, perdemos tempo com discursos e desperdiçamos oportunidade com elucubrações.
O foco excessivo no sistema acaba gerando ou aumentando mais a nossa obsessão, a nossa enfermidade, a resposta se torna um problema cuja solução nos lança a mais uma busca.
No que tange a este peregrino que está no caminho entre o Bosque Sagrado, eu estou cansado de ver os Mistérios Antigos serem deturpados, eu estou cansado de ouvir queixas de neopagãos (que são muitas), eu estou cansado de ser perseguido e apedrejado por quem diz ser meu irmão, eu estou cansado de ver bruxos e bruxas com recalques sexuais, eu estou cansado de ver a Bruxaria e a Wica ser caiada. Eu devo parar de olhar para as pedras que estão no caminho por um propósito e olhar mais para a magnífica beleza no imenso horizonte. Eu devo me concentrar na minha busca que é encontrar a Deusa e entrar em seus mistérios, para a mim mesmo encontrar e renascer na primavera.
Repostado. Texto originalmente publicado em 19/09/2008, resgatado com o Wayback Machine.

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