segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As Vias Santas

Introdução

As Vias Santas são práticas para desenvolver e aprimorar a espiritualidade a partir de propostas de exercícios, sem fixar em modelos ideais. As propostas são o resultado das minhas pesquisas e estudos sobre diversas religiões, antigas e atuais.

Como o interesse e a escolha cabe ao indivíduo, algumas condições devem ser preenchidas:
Aprender
Praticar
Assimilar
Testar
Aperfeiçoar
Descartar

O mais crucial e importante é que, quem aceita e se propõe a executar os exercícios, tenha autodisciplina e determinação. A situação na qual eu me encontro aconteceu exatamente por eu ter falhado em minha autodisciplina.

A base das propostas que eu exponho pode ser praticada por toda pessoa, utilizando as ferramentas mais disponíveis e acessíveis que dispomos, que é o corpo, a natureza, o mundo. Ao atingir a maestria sobre essas ferramentas, o praticante terá as condições necessárias para atingir sua meta, seja esta a Redenção ou atingir o Nirvana.

Heresia

A civilização humana expressou ao longo de muitos séculos e milênios, diferentes formas de crenças, constituiu inúmeras religiões e, creio, que eu posso afirmar que a espiritualidade humana pode ser dividida em três temas:

A necessidade imperativa de seguir regras
A crucial exigência de nos relacionarmos com o divino
A obsessiva preocupação com o que vai acontecer com nossa alma após o desencarne

Eu posso afirmar que são quatro os homens que marcaram e alteraram a forma como o ser humano encarou estas questões, a saber:

Zaratustra
Sidarta Gautama
Jesus Cristo
Mohamed

Deles procedem as religiões majoritárias que dominam o mundo contemporâneo, porém, paradoxalmente, o comportamento humano geralmente tende para o pensamento e ação extremamente opostos ao que se crê. Não é exagero dizer que, em dois mil anos de história, a civilização humana enfrentou inúmeras guerras, causadas ou influenciadas por estas religiões.

Talvez, penso eu, que isso acontece porque estes Iluminados não queriam seguidores, mas imitadores, pois uma crença, uma religião, uma espiritualidade, só se tornam eficientes quando o indivíduo estuda, compreende e pratica os preceitos ali contidos.

Eu aqui proponho a remoção de intermediários, a busca pelo divino deve ser pessoal, sendo desnecessária a figura do padre, do pastor, do rabino, do iman, do sacerdote. Ao invés de colocar modelos e padrões idealizados, manifestados, por algum Iluminado, eu irei focar em ações práticas que vão abraçar, tanto nossa vida mundana, quanto a sagrada.

Isto me coloca em um dilema, pois uma das características marcantes das religiões majoritárias é a negação, rejeição, do que é mundano. Mesmo se considerarmos outras vertentes, uma adaptação é necessária porque a religião também é um produto, um comércio, esse aparente abismo entre dinheiro e espiritualidade pode ser desbaratado quando se entende que as práticas visam colocar as coisas em seus devidos lugares. com seus devidos valores, pois o problema não é o dinheiro (comércio, riqueza), mas a forma como o usamos e a posição que isso ocupa em nossas vidas. Nós dominamos e possuímos as coisas. O dinheiro deve ser uma ferramenta para ser usada. Usar as coisas de forma consciente evita a acumulação, segregação, desigualdade e outras consequências dos péssimos hábitos humanos. Para alcançar tal condição, nós devemos ser mestres de nossas vidas e a maestria só se torna realidade quando nós obtemos disciplina. Quando nos conhecemos e controlamos a nós mesmos, nós conhecemos e controlamos o mundo. Resumindo em uma frase: “Disciplina é Liberdade”.

Advertência

Eu advirto ao leitor que prossiga a leitura apenas e somente se estiver pronto para explorar áreas além dos limites socialmente estabelecidos. Desde que eu comecei a escrever e traçar meu caminho espiritual, eu tive a coragem e a ousadia de duvidar, questionar e contestar estes limites arbitrários e foi isto, não o crime que me alegam, que me conduziu à prisão. Os próximos capítulos são completamente desafiadores e não são nada convencionais, prossiga com cautela.

Vias dos Sentidos

Os sentidos são nossas ferramentas para perceber o ambiente que nos cerca e que podem, se direcionados e condicionados, nos fornecer uma interpretação equivocada do que se chama realidade. Quando pensamos nossa humanidade em relação à cultura e à linguagem, as distorções podem ser notadas.

No campo da crença, da religião, da espiritualidade, a doutrinação pode se tornar um problema para se atingir os objetivos almejados, mas aqui, tal como foi dito, não se visa rejeitar, negar, nem separar, o mundo material do mundo espiritual.
Em continuidade ao que foi dito, o descondicionamento, o reaprendizado da percepção, bem como uma reformatação, do que se chama realidade, passa pelo uso crítico e consciente dos sentidos.

Via da Visão

Nós vemos o reflexo, a imagem, daquilo que um objeto reflete a partir da luz incidida sobre ele. A proposta, então, é por jogos que usem a ilusão de ótica. O uso de outros sentidos, além da visão, na percepção dos objetos, vão nos dar outras dimensões, mas creio que o uso de programas de edição de imagens é mais eficiente para que sejamos capazes de entender que a visão é uma captação superficial que, frequentemente, resulta em engano e decepção.

Via do Olfato

Um sentido útil, mas pouco explorado. O cheiro pode ser o primeiro sinal, antes do sabor ou da decomposição, do estado de um alimento. Nossa higiene passa por este sentido, nós podemos nos sentir sujos ou limpos, fedorentos ou perfumados. A proposta, então, é visitar o campo, parque ou fazenda, para que ampliemos nossa biblioteca olfativa.

Via do Paladar

A boca e a língua são organismos que estão presentes também em nossa sexualidade. Nosso mundo contemporâneo está repleto de indústrias e empresas que exploram comercialmente a área da alimentação, muito embora seja mais comum elas visarem o lucro, não a nossa nutrição. Eu creio ser justo afirmar que nós somos uma geração criada e acostumada com a “junk food” e eu não me refiro, nem me limito, às lanchonetes de “fast food”. Só recentemente se concluiu que o consumo exagerado de sal e açúcar industrializados é prejudicial à nossa saúde. A proposta, então, é para experimentarmos mais “naturais”, produtos "orgânicos", com pouca gordura, condimentos, temperos e químicas. A reeducação alimentar se tornou uma questão de saúde pública, o que comemos auxilia na nossa saúde e bem-estar. O comer bem, o que inclui a mastigação, tem mais a ver com o comer certo, com a absorção dos nutrientes que nosso organismo necessita, isso não significa que devemos adotar uma dieta, ou vegetarianismo.

Via da Audição

Música, incluindo o canto, são formas que se pode explorar, além da vibração sonora. Ao que tudo indica, nosso universo é formado por elementos (partículas/energias) que estão em constante vibração. Mantra e orações são estímulos bem conhecidos para que nossa mente possa sintonizar com o transcendental, mas a música mundana também pode nos dar uma outra perspectiva da realidade. A proposta, então, é experimentar diversos estilos musicais, sozinho ou em grupo, na sua casa ou no teatro, com instrumentos ou somente com a voz humana. Use a sua voz, entoe um hino, um cântico, uma invocação, sinta a vibração sonora em seu corpo e a forma como isso altera o jeito como você percebe o ambiente (a realidade da vida).

Via do Tato

O toque está presente, tanto na percepção dos objetos, quanto na nossa sexualidade. A pele é o nosso maior organismo, então não apenas as mãos, mas os pés (sentir o chão, a terra, a grama molhada), além do corpo todo, podem ser usados como uma antena na (re)interpretação dos objetos e do ambiente em nossa volta. Existem obras de arte (instalações) que podem e devem ser visitadas, mas, com a ajuda de um/a parceiro/a, qualquer um pode experimentar tocar um objeto (ou uma pessoa - piscadinha) com os olhos vendados, com resultados extraordinários.

Os sentidos podem e devem ser usados para que exploremos a realidade, sobretudo se auxiliar a mente a questionar e contestar os modelos e padrões nos quais a sociedade nos inculca. Eu espero que a livre exploração te conduza para a reeducação. A quebra das convenções é desafiadora, senão perigosa, afinal, eu não acabei sendo preso unicamente pelo que eu penso, falo, escrevo ou acredito. O crime pelo qual eu fui acusado não tem vítima, senão as convenções que a sociedade quer (e exige) que você acredite (e reproduza, de forma inconsciente, como rebanho) que é real. E isso não é apenas em relação à minha crítica ao modo capitalista de produção, ao consumismo exagerado, mas também da violência (ódio, agressividade, discriminação, segregação, intolerância), que é a válvula de escape oferecido para mitigar a opressão/repressão sexual (recalque/frustração/negação da libido), ao invés da promoção do amor (curiosa e paradoxalmente objetivo das religiões majoritárias, desde que condicionado, controlado, limitado, o que me leva a concluir que fazem parte do sistema).

Se o uso dos sentidos irá resultar no questionamento e contestação da sociedade e do sistema, caberá a você. Se o questionamento e contestação nos levar a governos e sociedades mais justas e solidárias, caberá à humanidade. Se tudo isso resultar no fim do ódio e no começo do amor, eu espero, sinceramente, que isso passe pela forma como nós encaramos o corpo, o desejo, o prazer e o sexo. Este, talvez, será o maior desafio: encarar, entender e assimilar essa nossa sombra, a libido.

Via do Confinamento

Nós todos nascemos e fomos criados dentro de modelos, padrões, definidos por nossa família, nossa sociedade, nossa educação, nossa cultura e nossa religião. O que eu te proponho, leitor, é que nós precisamos resetar toda essa programação.
Considere isso um desafio e uma prova. De forma voluntária, o que eu te proponho é que busque o exílio, a vida de um ermitão, senão a vida de um preso, que é equivalente. Em local escolhido, organizado por uma instituição ou grupo, retire-se da vida social.

O processo pelo qual eu passei, por uma decisão judicial, teve um impacto profundo, pois, graças eu dou, eu tive as correntes que a sociedade nos impõe, removidas. De um dia a outro, tudo o que eu acreditava ser, ter e fazer, em coisa alguma me valeram. Toda aquela ilusão de individualidade, personalidade e até humanidade foram-me tirados.

A privação de coisas tão básicas, frequentemente ignoradas ou desprezadas, como o que comer, o que beber, o que vestir, onde habitar, onde dormir, nos dão outra perspectiva de vida, que é majorada, potencializada, pela reeducação necessária, ao nos ver obrigados a refazer a forma como nós convivemos com o outro.

A readequação a outras prioridades, a outras rotinas, quebra a programação que a sociedade nos impõem. Nós temos que reaprender a viver, a planejar, muitas vezes de forma improvisada, até chegar no ponto em que se vive somente pelo dia presente, abandonando o fardo do passado e deixando de se iludir com o amanhã sonhado, idealizado. O modelo de vida que nos é imposto da pessoa bem-sucedida é aquela que conquistou algum cargo importante e está cercada de patrimônio luxuoso (composto, na maioria, por produtos inúteis e desnecessários, constituídos por um consumismo, que gera a desigualdade social), mostra-se irreal e ilusório diante da realidade social da massa, mantida na miséria, na pobreza e na fome produzida por este sistema.

Ao viver confinado, nós reaprenderemos um estilo de vida que pode destruir nossa sociedade estruturada por esse sistema desumano. Nós reaprenderemos a conviver em comunidade, em solidariedade, em fraternidade, usufruindo de forma consciente aquilo que produzimos, compartilhando o excedente de forma igualitária. Outros benefícios são: o fim da segregação, da intolerância, do preconceito e da discriminação. Ao compreender e nos relacionarmos melhor com o nosso próximo, conseguiremos compreender e nos relacionar melhor conosco mesmos, com a vida, com o mundo e com o divino.

Via do Sexo

Por dois mil anos, desde que o mundo ocidental se submeteu à estranha doutrina do Cristianismo, nada mais perigoso, complicado, complexo e difícil do que recolocar o sagrado, o divino, o espiritual, no corpo, no desejo, no prazer e no sexo.

O que se conhece por aqui é a prática do Tantra que preconiza, além das posições para o ato sexual, o consumo de vinho (outro tópico) e carne, o que contradiz essa nova religião (igualmente estranha e importada), o vegetarianismo. Como a própria prática indica, há controle consciente do corpo, o ato sexual é a ferramenta para alcançar a transcendência e a comunhão com o divino.

Entretanto, antes de ascender a sua Kundalini, o bom senso recomenda preparações e regras, a menos que queira ser preso. O ambiente deve ser confortável e adequado. Caso haja mais de um participante, assegure-se que o/a(s) parceiro/a(s) está(ão) ciente e de acordo com os exercícios. Esta recomendação deve ser redobrada quando o contato sexual se der com algum espírito, entidade ou Deus/a(s).

Existem diversos livros de e sobre o tantra para serem consultados, então a minha recomendação final é que não se deve utilizar seu caminho espiritual como desculpa ou explicação para atos de violência (ou abuso) física e sexual. Segurança e consentimento são mandatórios. O intuito é o de recolocar o corpo e o sexo como ferramentas na busca pelo divino, não devem ser apropriados ou distorcidos para atender a agendas pessoais ou políticas.

Via do Psicoativo

Existem duas substâncias que são toleradas na sociedade contemporânea, muito embora tenham perdido muito de seu status e tenham sido constrangidas: cigarro e álcool. Curiosa e paradoxalmente, o consumo de maconha e derivados têm encontrado brechas nesta estranha e dúbia moral da sociedade. Mas algumas substâncias são encobertas por estereótipos e preconceitos que turvam o conhecimento. Existem alguns caminhos e práticas espirituais que se utilizam de substâncias enteógenas para o despertar e até a cura da humanidade.

O tabaco era, originalmente, utilizado nas Américas, por inúmeras culturas antes da colonização européia, no Culto aos Ancestrais. Eu posso citar o uso de cactus (mezcal), ervas (sálvia), raízes (jurema), folhas (coca, cannabis) e cogumelos. De vez em quando se fala no Santo Daime unicamente por usar ayahuasca. Essas substâncias e seu uso devem ser descriminalizadas, ressacralizadas, recolocadas no ato ritualístico. Isso nos leva à necessidade de uma estrutura, de um lugar adequado, de uma liturgia, de um grupo e de um sacerdócio.
Na qualidade de quem teve a sorte de conhecer e experimentar o que eu chamo de maná índigo, a presença de um facilitador, de uma pessoa experiente, ficou evidente. A alteração do estado da mente, induzida por um psicoativo, nos leva a questionar a realidade, bem como a percepção dela.

Via do Sangue

Para quem é mais velho, deve lembrar do sucesso que foi o jogo (video game) “Vampiro, a Máscara”, que foi assimilado e fomentado pela subcultura, até se tornar uma religião bastante ativa no underground da sociedade. Os que são jovens devem se recordar do pânico e histeria que acometeu essa mesma sociedade quando apareceu o jogo “Baleia Azul”, no qual adolescentes compartilhavam fotos de automutilação. Isso não é novidade alguma, apenas se tornou mais visível, psicólogos e psiquiatras podem indicar as causas, mas o mundo esquece que a autoflagelação está presente em algumas práticas, dentro do Cristianismo e do Islamismo. Na Índia, homens santos (sadhus), frequentemente perfuram o corpo com agulhas, ganchos e pregos.

A autoflagelação é uma forma de alterar o estado mental e inclui alterações metabólicas que mexem profundamente no nosso subconsciente, porque interfere no instinto, na nossa parte animal e na nossa sombra.
Por ser algo tão necessário e fundamental para nossa saúde e vida, o uso e controle do sangue, da circulação sanguínea, pelo uso de ferramentas ou sua ingestão, perpassa por inúmeros tabus que, talvez, eclipsaria o aspecto clínico e médico. Então eu recomendo precaução, cuidado, higiene e acompanhamento.

Última recomendação geral: leia, estude e pesquise. Sobretudo anote suas buscas, suas experiências e suas impressões. Ainda que você encontre guias e facilitadores, o seu caminho é somente seu. Ainda que você tenha um livro sagrado ou modelo idealizado, você precisa praticar por vontade própria. Você deve usar os seus pés para chegar ao seu destino.

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