sábado, 16 de janeiro de 2021

Sob o manto da espiritualidade

Para um pagão, bruxo e wiccano não há ansiedade, expectativa ou obsessão. Aceitamos o mundo tal qual é e assim mesmo, sagrado e divino. Não tememos ao perceber que estamos na encruzilhada de uma época. O ser humano quer melhorar, mas tem medo de abrir mão de suas convicções e certezas, por mais ilusórias que sejam. Nós gostamos de encruzilhadas.

Diante da iminente mudança, há apenas poucas reações possíveis. Uma, é o de se agarrar ao dogmatismo doentio, obsoleto, ultrapassado, ditado por uma instituição que se arroga uma duvidosa e questionável autoridade espiritual.

Outra, tão perigosa quanto, é o de usar a espiritualidade e a religiosidade como um manto sobre preferências ou agendas pessoais para dar um sentido de sagrado, de segurança, de conforto, de proteção. Seitas e cultos à personalidade são fundados em cima disso, líderes carismáticos podem conduzir seu séquito a ações desesperadas e fatais.

Nem tudo que está revestido ou travestido de espiritualidade, de religiosidade, deve ser aceito, respeitado ou reconhecido como tal. Um grupo de subcultura é um grupo de subcultura. Paganismo, antigo ou moderno, está baseado na cultura, no respeito, nas crenças e nas lendas antigas, ancestrais e típicas de um povo.

Infelizmente, a liberdade de expressão, de opinião e de crença foi e será usada para justificar certas "espiritualidades" que são nada mais do que arapucas que oferecem a falsa promessa da transcendência. Infelizmente, criticar e denunciar estas fraudes serão contestadas usando a estratégia da vítima.

Relembro um trecho de um texto de minha autoria:

"O que leva alguém a procurar uma forma de espiritualidade talvez seja o ponto central do assunto. [...] Eu posso indicar minhas suspeitas que fazem uma pessoa repentinamente procurar por uma forma de espiritualidade.

Um dos motivos certamente é a moda, principalmente pela pressão do meio social em que esta pessoa vive. Para estes não faltam vigaristas, lojas e bugigangas, para os mais diversos fins. Estes certamente querem e gostam que seu caminho espiritual seja reconhecido e aceito como válido por outros, farão uma verdadeira apologia do grupo ou instituição que pertencem e transformarão as análises críticas contra esses mercenários como uma ofensa pessoal ou como uma infração ao legítimo direito universal de opção religiosa dado a todos.[...]

Outro motivo é a propaganda, pela qual uma pessoa é convencida de que as reivindicações daquele grupo, instituição ou caminho espiritual são válidos, quando estes não pressionam seus membros a considerar aquele caminho como sendo o único válido, o que ocasiona tantos conflitos e discussões. Neste caso também é igualmente importante o reconhecimento e aceitação, quando não de impingir a conversão. Para estes é fundamental considerar seus textos mais verdadeiros que a dita verdade que ali contém, bem como de santificar seus fundadores, profetas e iluminados".[Caminhos, espiritualidade, validade]

Assim, nenhuma novidade, diante das justificativas, explicações ou críticas aos meus comentários no Facebook quando eu discordei em considerar a subcultura [termo acertadamente colocado] do Vampyrismo como parte da comunidade pagã. A necessidade de ser aceito, de ser reconhecido, de fazer parte de uma comunidade são mais importantes do que a suposta espiritualidade e religiosidade que alegam ter. Apenas a velha mania de distorcer a história e a mitologia de forma desonesta.

Da mesma forma como se apropriam e aleijam a cultura e a crença de um povo [inconcebível a um pagão], querem se apropriar e aleijar de nosso movimento legítimo em busca de nossas origens, de nossas raízes. Estão usando elementos e símbolos do paganismo moderno como um manto de espiritualidade e religiosidade. Estão querendo se infiltrar na nossa comunidade para conseguirem o respeito e o reconhecimento que necessitam para satisfazerem seus egos. Ou para angariar prosélitos.

Eu encontrei um artigo igualmente bom e esclarecedor:

"Conquistar seu estado sagrado tornou-se simples: entregue a sua vida, seu discernimento, sua consciência e o que estiver em seus bolsos para a igreja e Deus sorrirá pra você!

Um versátil modelo de safar as pessoas de serem mais responsáveis por elas mesmas, de perceberem por si mesmas que suas escolhas, conscientes e inconscientes, precisam melhorar. Obedecer não é a mesma coisa que discernir por si mesmo.

A religiosidade virou sinônimo de instituição depositária de esperanças estéreis e incompreensões emocionais. Aliena-se a autoconfiança das pessoas. Emprega-se o sentido medíocre de um Deus que diz: isso é o certo e aquilo é o errado. E separam as pessoas em diferenças religiosas frente a um mesmo Deus.

Não se percebe o detalhe sutil da dominação aplicada. É uma exploração do medo que existe nas pessoas ou de seus prováveis desesperos circunstanciais.

Minha experiência diz: desconfie de qualquer promessa de liberdade quando também lhe trazem outro tipo de prisão. Liberdade espiritual existe no livre discernimento, no autoconhecimento, ou seja, na consciência perceptiva, amadurecida, esclarecida, autoconfiante.

É a consciência que precisa aprender a valorizar e a evoluir o melhor que há nela mesma. As religiões forçam para o lado oposto, viciam e atrofiam a capacidade de pensar, o potencial de compreensão e sensibilidade que existe em seus frequentadores.

Espiritualidade é algo mais sério e que envolve autonomia de direção interior. Liberdade autêntica de ser quem se é com a consciência em paz consigo mesma e com a humanidade. A autêntica espiritualidade não se limita a conhecer Deus através de religiões que mais dividem do que aproximam as pessoas. Espiritualidade é uma atitude sincera de conseguir perceber que o divino está em tudo e em todos".[Alexandre Arreios, no Artigonal]

Aliás, nada melhor do que deixar um texto de um divulgador do Vampyrismo, Lord A:

"Sim, podemos debater, podemos criticar, podemos nos expressar sobre aquilo que nos importamos, desde que o façamos com propriedade e boa argumentação. [...] Enquanto apenas 'transcendemos' a tudo e todos, apenas varremos para debaixo do tapete, e deixamos para depois nos decidirmos com o que importa.

Você não vai fugir da vida cotidiana, não vai conseguir fugir da necessidade de trabalhar e nem mesmo dos mais diversos problemas sociais pessoais e de terceiros. Você não vai deixar de ser alvo de fofocas pois encontrará pessoas das mais variadas índoles e caráter na sua jornada. Não existe transcendência que irá lhe afastar de tudo isso.

Tudo aquilo de que você foge ou deixa para depois - continua lá. Mais dia menos dia você irá ter que lidar com aquilo. Isso incomoda, angustia e perturba qualquer um ou sujeita durante seus projetos e relações ao longo da vida. Muitos ao se envolverem com a Subcultura Vampyrica, tanto em aspectos laicos/fashionistas quanto com aspectos politeístas/panteístas vêm procurando uma fuga ou uma forma de se mascarar tudo isso.

Ao longo do período de 1995 á 2008 assistimos muitos grupos e pessoas apelando em oferecer uma máscara transcendental constante a qual permitisse fugir da mão-de-obra de lidar consigo, de pesquisar, de pensar a respeito e assim limitar e ser chefe de alguma coisa.

Este implemento e aumento do escapismo transcendental, apenas empobreceu a vida cultural da Subcultura Vampyrica e acabou muitas vezes igualando padrões e atitudes alternativas da cena, a padrões, atitudes e comportamentos não alternativos que tanto criticamos na cultura solar ou dominante.

O excesso de transcendentalismo de apenas 'poder da mente' ou de fontes mais relacionadas a 'sugestionamento', 'submissão a mortos' aleatórias e 'personas magickas' - apenas estão exibindo uma imprecisão histórica, uma perda de identidade, falta de tolerância, apatia, preguiça de educação acadêmica comprovável, vínculos sociais e afetivos fragilizados, e só reafirmando síndromes de Peter Pan variadas e servindo de combustível para uma vindoura nova onda de exposição midiática descaracterizante e acusações bastante complicadas aos integrantes da Subcultura como um todo".[Armadilha transcendental]

"A vertente neopagã deu seus primeiros passos nas proximidade de Washington nos EUA, entre 1972 e 1975 através de encontros e celebrações de solstícios e equinócios.

Em nenhum momento podemos considerar a Subcultura Vampyrica/ cena vamp, seus integrantes e procedimentos fashionistas ou místicos como sequenciamento ininterrupto ou reconstrução dos antigos cultos de fertilidade da Terra do século X.Nem mesmo o termo Strigoi, é utilizado como forma de reviver algum culto de fertilidade da terra, cujos os fundamentos e práticas foram inevitavelmente perdidos nos meios do século XII".[A sede ou a fome]

No que me consta, eu não reconhecerei como parte da comunidade pagã. Aos demais, que cada um faça sua escolha.

Originalmente publicado em 8 de maio de 2011.

Resgatado com Wayback Machine.

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