terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Rosa, rosae, rosam

“O que está em um nome? Uma rosa é uma rosa é uma rosa.”
Eu devo ter lido pela milésima vez esse tipo de argumento. Essa frase tornou-se famosa graças a Umberto Eco e seu livro “O Nome da Rosa”, embora sua fonte original venha da tragédia “Romeu e Julieta” de William Shakespeare:
“Aquela a que chamamos rosa, o mesmo doce odor teria se outro nome tivesse.”
Como o pessoal costuma dizer, texto fora de contexto gera pretexto. Uma citação perde todo seu sentido quando tirada do contexto ou conceito que seu autor deseja transmitir.
Incorre no mesmo erro quem repete a citação de Dion Fortune: “Todas as Deusas são a Deusa, todos os Deuses são o Deus”.
Eu pretendo explicar e demonstrar os erros que existem nessa frase.
Rosa é apenas um nome. Nome do que, exatamente? Rosa pode ser uma flor, uma cor, uma pessoa. Se rosa é apenas um nome, por que diferenciar a flor da cor e da pessoa?
A rosa verdadeira, por favor, se levante.
Se falamos da flor chamada rosa, ela é apenas uma das muitas flores. Mas um nome é apenas um nome, então vamos dar o nome de rosa a todas as flores.
Podemos ir mais adiante, as flores são apenas uma de muitas plantas. Mas um nome é apenas um nome, então vamos dar o nome de rosa a todas as plantas.
Podemos ir mais adiante, as plantas são apenas um dos seres vivos. Mas um nome é apenas um nome, então vamos dar o nome de rosa a todos os seres vivos. A lista poderia continuar infinitamente, mas acho que o leitor entendeu.
Se falamos da cor chamada rosa, isto não vive, não tem cheiro nem tem forma. Mas um nome é apenas um nome então vamos chamar de rosa todas as cores. Isto vai complicar a vida da Rosa, a pessoa. Como se não fosse complicado o suficiente ser confundida com uma cor e uma flor.
Vamos falar então da Rosa como o nome de uma pessoa. Ora, nomes são apenas nomes, então vamos chamar todas as mulheres de Rosa. O seu noivado com a Letícia vai acabar rapidinho. Como se isso não bastasse, o que aconteceria se a Rosa fosse afro-descendente? Sua pele é negra ou parda. Mas ora, um nome é apenas um nome, a pele da Rosa só pode ser rosa, evidente. Podemos ir mais adiante, cada ser humano, cada pessoa, suas etnias, origens e nomes... nomes são apenas nomes, então todas as pessoas, etnias, origens e nomes pessoais vão ser chamados de rosa.
Acredito que este exercício tenha deixado claro que, quando falamos em nomes, falamos em linguagem, em ortografia, em gramática. Existe um objeto e um símbolo, um referente e um referido. Quando esta conexão deixa de existir, a própria razão de existir o nome rosa é seu sentido de diferença e singularidade entre tantos nomes, sinônimos, artigos, pronomes, verbos. Se vamos abolir todo o sentido da linguagem, então podemos ir mais adiante e voltar a grunhir como animais para nos comunicar.
Então os analfabetos funcionais e intelectualmente desonestos que me perdoem, mas as palavras possuem conceitos e diferenças. Assim como as religiões tem seus preceitos e características. Assim como os Deuses tem suas identidades e personalidades.
Uma rosa pode se referir a coisas e pessoas distintas. Não se pode chamar de rosa um cardo. Não vai chamar sua noiva Letícia de Rosa. Não pode dizer que pintou sua casa de rosa se você usou tinta verde. Você pode chamar uma maçã de laranja e ela continuará sendo vermelha.

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