domingo, 26 de julho de 2015

Somos todos intersexuais II

Cada vez mais países outorgam leis que reconhecem a união homossexual. A ICAR proclamou que esta era “uma derrota da humanidade”. Cada vez mais empresas incluem o relacionamento homossexual em suas propagandas. Pastores fundamentalistas cristãos proclamam um boicote a estas empresas.
Organizações religiosas tem tal posição por que seu poder e influência dependem de impor uma biopolítica, caracterizada por um discurso em torno de uma ideologia de gênero baseado em doutrinas e dogmas, como eu escrevi no texto “A Guerra Pela Ideologia de Gênero”. Apenas recentemente o Cristianismo tem demonstrado outra tendência, mais inclusiva, com menos estresse com a interpretação literal do texto sagrado. Eu tenho certas reservas com esse Cristianismo Progressista, pois existe um limite até onde se pode dobrar uma religião.
Causou grande comoção quando os Anglicanos [um tipo de Cristianismo] afirmaram que Deus é Mãe. Católicos, por seu lado, afirmaram que Deus é Pai, tendo por base trechos do texto sagrado. Cristãos Progressistas afirmam que Deus é Transgênero, uma vez que é transcendente, não pertencendo a algum gênero carnal. Ainda que tente parecer menos sexista, o cristão progressista percebe a questão de gênero como algo carnal, impuro, pecaminoso, profano.
Para o Paganismo Moderno, o mundo material, o corpo, o desejo, o prazer, são igualmente manifestações do divino. No Patheos, em contraste com o artigo católico, diversos textos pagãos entraram no mérito. Pagãos, evidentemente, lembraram que este é um caso de interpretação do texto sagrado e existem outros trechos nos quais é possível afirmar que Deus é Mãe. Diga-se de passagem que Deus, assim como Cristo e Buda, é um  título que não se referem a um gênero, mas por que existe tal estresse quando ao gênero do divino até entre pagãos? Se “Deus” é um título, não existiria “Deusa”. Quando um pagão afirma que Deus é um título desvinculado de gênero, aparentemente concorda com o discurso do cristão onde o divino é transcendente. Para o Paganismo Moderno o divino é transcendente e imanente.
Nossa visão do divino é muito mais ampla, diversa e complexa e nossa base vem dos mitos antigos. Existem diversos mitos e lendas contando a ideia do shapeshifting onde, diversos Deuses, heróis e pessoas, transformaram-se ou foram transformados em outras criaturas. Existem diversos mitos e lendas com Deuses e heróis que se travestiram, quando não trocaram de gênero completamente. Eu também devo lembrar que existem diversos mitos e lendas que falam do hermafrodita, do andrógino, do primeiro ser humano ou até mesmo do divino primordial. Em outro texto eu me referi ao conceito do Monismo e da Fonte, que é praticamente o Indistinto dando origem ao Deus e à Deusa.
A questão do gênero do divino é crucial ao Paganismo Moderno, afinal, sem o Hiero Gamos o cosmo não existiria. A relação do hermafrodita, do andrógino, nos mitos antigos, foi analisada no texto “Interpretando os mitos andróginos”. A questão do gênero, da identidade/preferência sexual está presente no Paganismo Moderno e nós ainda temos muitos desafios a superar, haja vista a polêmica de Z Budapest no Pantheacon. Para alguns pagãos, agendas e interesses políticos devem estar presentes na religião, questões pessoais acabam tornando-se mais importantes do que a crença, gerando o discurso de vítima e falácias do espantalho contra os críticos dessa espiritualidade individualista/egoísta. Em nome de uma suposta tolerância e inclusão, muitos pagãos se recusam a dialogar, propiciando uma forma de censura e, em alguns casos, impondo outra forma de preconceito e intolerância.
No Paganismo Moderno, o mundano é visto como reflexo do divino. Relações homossexuais ocorrem na natureza, portando o divino é homossexual. Existem espécies que se reproduzem assexuadamente, outras são hermafroditas e outras tantas mudam de gênero, portanto o divino é polissexual.
Falando em humanidade, todos nós somos filhos e filhas, tanto de Deus quanto da Deusa, tanto do Pai quanto da Mãe, todos nós carregamos em nós ambos os genes, o que nos tornaria todos bissexuais. Em termos genéticos, carregamos o gene X ou Y, mas isto define nossos órgãos sexuais, não nosso gênero, nem nossa identidade/preferência sexual. Em termos clínicos, não existe um padrão de masculinidade, nem um padrão de feminilidade, Beatriz Preciado registrou casos que demonstram que nós somos todos intersexuais.
Faz parte do discurso da biopolítica essa dicotomia estrita, bem como a imposição da heteronormatividade, do sexismo, da misoginia, do machismo e do patriarcado. Quanto mais o ser humano se conhece, mais essas falsas noções vão caindo, mais se percebe que o gênero é resultado de uma construção cultural e social. Estruturas obsoletas e arcaicas reagem com fúria, por que sabem que irão perder todo seu poder e influência, daí as críticas de Católicos e Evangélicos contra a homossexualidade.
A humanidade está evoluindo e em breve irá abandonar essas organizações religiosas que propagam estes discursos de preconceito, intolerância e homofobia. As religiões de massas vão se adaptando para não perder clientela e vão se fragmentar em pequenos grupos, como eram em sua origem. De qualquer forma, acabará a excessiva centralização que tipifica as religiões de massa, bem como sua influência e poder social. Acrescente-se as espiritualidades, crenças e religiões alternativas e o resultado será eventualmente em uma Sociedade Contrassexual ou uma Onigamia. Em qualquer dos casos, o Paganismo Moderno tem um futuro brilhante.

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