quarta-feira, 15 de abril de 2015

Ensaio sobre a cegueira

John Halstead publicou dois textos no Patheos que são complementares: “My god may be blind, but I’m not” e “I worship the Blind God”. Os textos falam de dois lados de um mesmo problema, por assim dizer, tanto de descrentes quanto de crentes.
O texto fala de cegueira, mas podemos incluir a surdez e a mudez. Então podemos falar que há um problema de comunicação entre nós e o divino. Atribui-se, com bastante frequência, que o ateu tem “deficiência espiritual”. Inclusive este pagão que vos escreve.
De acordo com John, o ateu não é incapaz de sentir ou de perceber da mesma forma que teístas sentem e percebem. John afirma que ateus também têm experiências religiosas.
Por outro lado, temos diversos textos ateus que perguntam, com certa ironia, sarcasmo, cinismo – se o divino ouve nossas preces, por que não respondem?
Depois de tantos ataques dos Cavaleiros do Neoateísmo contra a religião em geral, fica difícil compreender que o ateu possui algum tipo de experiência religiosa. Sobretudo por que o ateu não manifesta, ao menos publicamente, principalmente entre seus iguais, sobre tais experiências ou de como interpretou tais eventos.
A provocação mais comum do ateu pode bem ilustrar meu argumento – o crente é ateu dos outros Deuses. Não é difícil encontrar páginas cristãs criticando outras religiões, as colocando como erros de pessoas que estão cegas ao verdadeiro Deus, da verdadeira religião. Igualmente não é difícil encontrar textos cristãos dizendo que os Deuses Antigos são meras fábulas, ou que são demônios. Igualmente não é difícil encontrar páginas de católicos e evangélicos se atacando, com as mesmas acusações. Não é mero acaso que existam páginas de muçulmanos e judeus, atacando o cristão, ou se atacando mutuamente, por discordarem da forma como percebem e interpretam o divino.
Eu não conheço outras religiões o suficiente para saber se existe este tipo de comportamento. Eu conheço bem a Comunidade Pagã, local e internacional. Nós somos um balaio de gatos. Brigamos entre nós e fazemos um estardalhaço. Eu mesmo tenho minhas diferenças com as religiões da Deusa e o Dianismo.
Então podemos concluir que a questão está na forma de como percebemos e interpretamos as experiências espirituais e de como, a partir delas, percebemos e interpretamos o divino. Para o ateu, a evidência, o fato, a experiência, as fórmulas e as leis científicas, tomam o lugar da revelação, da epifania, do arrebatamento e da presença do divino.
“Deus desceu até o Paraíso e caminhou pelos gramados. Adão e os outros animais estavam dormindo e não perceberam sua presença — caso estivessem acordados, não teriam reparado que cada animal enxergava Deus de uma forma diferente. Ele era o Deus de Adão quando passou perto da caverna de Adão, era o Deus dos macacos quando passou perto da floresta, era o Deus dos leões quando passou pelas savanas”. [Papo de Homem]
O ateu não recusa a experiência espiritual ou a existência do divino, mas a presunção, a arrogância de um determinado grupo em atribuir a si o monopólio e o privilégio sobre o conhecimento do divino. Para o ateu, a experiência espiritual, bem como a crença e a religião, devem permanecer pessoais. Então a briga do ateu é contra as organizações religiosas, não contra a religião ou a espiritualidade. Pena que essa luta muitas vezes se torna tão intolerante e fundamentalista quanto essas organizações religiosas.
Os chistes, piadas e textos ateus são feitos para questionar a autoridade de tais organizações religiosas, não para questionar a experiência espiritual, pois estariam negando suas próprias experiências espirituais. Então quando o ateu pergunta do porque o divino não responde nossas preces, ele não está duvidando da existência do divino, da espiritualidade ou dos milagres, mas está questionando a presunção de uma organização religiosa quando esta usa estas manifestações como provas de que a crença que representam ou que sua percepção e interpretação do divino são as certas, são a única verdade.
Ainda assim é mister lembrar que a humanidade é importante para o divino, mas não é o mais importante. Nós sabemos que a Terra não é o centro do universo, assim como o sol também não é, só nos falta aceitar o fato que o homem não é o centro do universo.
Eu posso pressupor que todo ser humano tem algum tipo de experiência espiritual e que a percebe e a interpreta conforme seu entendimento e conhecimento. Quando uma pessoa, crente ou descrente, ignora fatos, evidências, circunstâncias ou eventos e passa a fazer uma análise simplista ou generalizante sobre algum tipo de experiência espiritual ou religião, ainda que seja sobre a sua experiência, ainda que seja uma opinião pessoal, o erro começa quando existe presunção e arrogância.
Ainda que possamos falar melhor do que outros, ainda que possamos ouvir melhor que outros, ainda que possamos ver melhor que outros, continuaremos sendo deficientes em compreender e transmitir corretamente a realidade divina. Como na fábula dos cegos que tocam o elefante, percebemos apenas parte do divino. Continuaremos a ser cegos conduzindo cegos. 

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