quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre Deuses, humanidade e moralidade

"Se partirmos do pressuposto de que Deus, como ser divino, vê o futuro e aceita o mal que os seres humanos fazem, eu excluo que ele seja sumamente bom. Não pode ser bom um Deus que não renuncia criar um mundo assim. E se não pode renunciar a isso ele não é a suma autoridade, não é Deus." 
- Boris Pahor

Quem sofreu atrocidades tem razões de sobra para condenar moralmente o sofrimento que passaram. Entretanto, seus algozes também encontraram formas de justificarem moralmente seus atos, tal é a inconstância humana.

Eu vejo o texto como o típico texto de ateu toddynho. 1. Eu sofro 2. Deus deve ser bom 3. Mas se eu sofro, então Deus não é bom 4. Então eu sou ateu. O sofrimento humano fez com que se questionasse a moral dos Deuses. Não há qualquer correlação entre sofrimento e moralidade. O que se pode discutir é a ética de certos atos humanos, visto que a moral humana serve às nossas conveniências. Todo nosso sentido de moral e ética foram desenvolvidos por povos antigos graças a este sentido humano quanto à existência dos Deuses. Portanto, quando condenamos moralmente atos humanos como Cruzadas, Inquisição, Genocídio, o fazemos porque tal sentido nos foi dado. Portanto, a responsabilidade sobre tais atos é do ser humano, não dos Deuses.

O ser humano é uma criatura peculiar. Tem padrões de comportamento que, ora são vistos como sendo "bons", ora são vistos como "ruins". Tem necessidades e desejos, como toda criatura vivente, mas detesta ser contrariada ou ignorada. Formulou os conceitos de "bem" e "mal", dividiu e categorizou o mundo dentro dessa dicotomia discutível. Qualquer circunstância, pessoa ou entidade que não se encaixa ou não se enquadra nessas concepções são questionadas, atacadas, acusadas e condenadas.
Recorrer a exemplos circunstanciais não é argumento suficiente para afirmar que "se Deus pode ver o futuro e aceita o mal, então Deus não é bom". Esse é uma falácia de petição de principio. E uma péssima remixagem do Paradoxo de Epicuro.

O paradoxo de Epicuro é um desafio aos teístas, não porque questiona o problema do mal - fato, ação, circunstância - mas porque questiona a presunção das crenças humanas ao atribuir a um (ou mais) Deus(es) a Bondade, a Justiça, a Onipotência, a Onipresença e a Onisciência.
O paradoxo deixa de ser um desafio simplesmente refutando a premissa de que um (ou mais) Deus(es) deve(m) ser bom(ns), justo(s), onipotente(s), onipresente(s) e onisciente(s). Na concepção dos povos antigos, conservada nos mitos, os Deuses demonstravam ter um comportamento assombrosamente humano. Mesmo os Deuses seguiam determinados padrões de ética e moral.

Diz o ateu: "A moral e ética sempre existiram, faz parte da consciência humana desde lá dos primeiros agrupamentos sociais". Então a moral e a ética existiram sempre? Então maior é a responsabilidade do homem em não observá-las. Ao afirmar que moral e ética existiram sempre, atribui-se um componente sobrenatural a este conjunto de preceitos. Então o senso de moral e ética não é humana, mas divina e é anterior ao homem, sua organização social e a sua percepção como ser senciente.

Existem dois tipos de "sofrimento". Aqueles que são naturais e os que são adquiridos.
Naturais acontecem por que perdemos nossa ligação com Deus. Adquiridos acontecem pelo meio ou tipo de vida que construímos.
O engraçado é que nos rebelamos contra essas coisas que nós mesmos construímos e culpamos a Deus. Em alguns casos crônicos, acreditamos que nos bastamos a nós mesmos.
Deus nos dá em abundância. Se existe fome ou miséria, é o Homem que a causa, para ter mais dinheiro, poder, influencia social... Nós construímos esse meio, esse tipo de vida. Nós somos os responsáveis.

Não precisava ser assim. O mundo não é nosso inimigo, mas nós mesmos. Deus está onde sempre esteve e não mudou. Somos nós que mudamos. Acabamos prisioneiros de um mundo construído por nossas ilusões. Ou seja, nos falta disciplina com responsabilidade e consciência sobre nossos atos e omissões.

Quando sofre, o homem quer culpar alguém, não se pergunta o que fez para chegar nisso. Evidente, o homem sabe disso e cria uma organização religiosa que se sustenta explorando essa necessidade humana de jogar a responsabilidade no "bode expiatório".
Temos um enorme potencial. Mas pelo mundo que nós construímos, ao preferir viver essa ilusão - essa falsa imagem - como se fosse real, perdemos nossa ligação com essa Fonte - Deus - por isso vivemos sempre insatisfeitos. Por estarmos sempre insatisfeitos e tomando a ilusão como real, fazemos coisas que tem consequências terríveis: miséria, fome, guerra. E o que o homem faz quando vê sofrimento e miséria criados, construídos por ele? Se revolta contra Deus e muitos, ao invés de assumir sua responsabilidade com consciência, tentam negar o divino.
Pelo controle consciente e responsável, deixamos de querer/fazer coisas desnecessárias, deixamos de causar/sofrer ações prejudiciais, passamos a ter uma ação correta em relação a nós mesmos, em relação à nossa comunidade e em relação ao divino.
O problema não está nas coisas, mas do que fazemos delas. Deus nos deu o conhecimento, a consciência e a capacidade. Infelizmente usamos para prejudicar nosso irmão.

A existência dos Deuses, independente de sua crença ou descrença, tem incumbências e preocupações mais amplas e mais cruciais do que satisfazer as nossas necessidades efêmeras. O homem, diante dos Deuses, é uma parte importante, mas não a mais importante. Dor, fome e sofrimento são parte da natureza, seria contraditório se isso não fizesse parte da nossa existência.

"Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles". [Epicuro – Carta a Menescau]

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