terça-feira, 15 de maio de 2012

A voz do dono

Aproveitando meu merecido mês de férias, eu consegui terminar de ler, de Michel de Foucault, "A História da Sexualidade" e, ao ler essa análise de Foucault sobre as origens e raízes da nossa sociedade sexualmente opressiva/repressiva/recalcada/frustrante, eu percebi ou interpretei que o autor põe um conceito interessante, que é quando um fenômeno, uma manifestação ou circunstância é problematizada pela nossa espécie, inevitavelmente em seguida aparece um discurso oficial e oficioso, definindo conceitos, fronteiras, sistemas e esquemas.
No caso da sexualidade, os gregos e romanos antigos escreveram diversos tratados, filosóficos e "científicos" acerca da sexualidade, da aphrodisia, do amor às mulheres e o amor aos rapazes. Mas em nenhum destes escritos há uma condenação moral ao ato em si, a preocupação ou problematização [como eu defini] restringe-se mais a estabelecer uma estética e uma estilística, a saber, como, quando, de que forma e com que frequência os homens devem aproveitar das bênçãos de Afrodite.
Atentem que os textos eram feitos por homens e para homens. O mundo antigo era um mundo machista e patriarcal. A mulher tinha um papel secundário, na família e na urbes. O assunto [a problematização?] fica mais delicado quando os pensadores [e "médicos"] tentam abarcar a questão do amor aos rapazes, às cortesãs e às escravas. Na Era Imperial, a existência de cortesãs era um fato tolerado, mas na teoria dos pensadores acerca do matrimônio e vínculo conjugal pode-se entrever as primeiras idéias que certamente serviram aos filósofos do cristianismo. Ainda demoraria um tempo para que a escravidão fosse a "bola da vez". A teorização do matrimônio e do vínculo conjugal nos conduziriam para esse tabu sobre fidelidade e monopólio, mas o casamento enquanto instituição social foi uma "tradição" mais tardia.
A parte mais interessante, senão a mais esperada pelas minhas amigas trans, é a questão do amor pelos rapazes, o papel do erostes e do eromenos e de que forma essa relação homoerótica se inseria dentro de uma função cultural e social na Grécia e Roma antigas. Isso se tornou um problema [dai o porque eu uso o termo "problematização"] porque ao se elogiar o matrimônio e o vínculo conjugal, os pensadores tiveram que rebolar para tentar encaixar o amor pelos rapazes na filosofia, na sociedade, na urbes. Sem isso, a relação entre o erastes e o eromenos perderiam seu status e delicados relacionamentos entre mestres e alunos seriam marginalizados. A "solução" foi inserir o amor dos rapazes como uma demonstração de "philia" e de "charis", um homem em posição social melhor sempre estaria em um nível de superioridade [ativo?] em relação ao rapaz em posição social relativamente menor [passivo?], caberia ao homem ensinar ao rapaz como ser bom cidadão e cumprir com suas obrigações civis [incluindo nisto o dever de contrair matrimônio, de manter um vínculo conjugal, manter a fidelidade e a exclusividade, bem como a de procriar - o que certamente veio a calhar aos filósofos cristãos].
Em pleno século XXI a questão da sexualidade, do casamento e da homossexualidade voltam a ser problematizados e não é dificil achar textos apologéticos que usam exatamente os textos destes pensadores, em especial dos neoplatônicos, para discursarem e imporem essa moral doutrinária e dogmática da Igreja. No entanto os antigos pensadores nunca tiveram a intenção de ditarem morais universais. A intenção ou a forma como estes se debruçaram sobre a questão, suas opiniões e pensamentos sobre o "problema" visavam mais uma recomendação, algo que cabia ao indivíduo adotar ou não. A intimidade ainda era uma questão pessoal e as leis existentes visavam mais a preservação do pátrio-poder, visto que a mulher [e o rapaz] estavam sob a tutela do pater-família, um cidadão. Na era antiga o termo homossexual não existia nem tampouco havia rejeição social ao homoerotismo, apenas pedia-se que houvesse estilo e estética na aphrodisia, quer seja em relação às mulheres, quer seja em relação aos rapazes.
Eu retomarei a questão da "problematização" bem como a produção de um discurso oficial e oficioso em relação à bruxaria em outro texto. Também deixarei para outro texto a forma como a "problematização" se torna "contestação" e como eu tenho percebido um excessivo enfoque na bandeira ao invés dos motivos que tais bandeiras são levantadas. E de como isso tem afetado a comunidade pagã, tanto no Brasil como no mundo. Não percam o próximo capítulo desta novela.

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