segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Bruxaria Tradicional : Historicidade e Perpetuidade

Uma entrevista com Michael Howard.


THREE HANDS PRESS. O Ocultismo do século vinte testemunhou o surgimento de diversas afirmações de um culto de bruxas histórico na Inglaterra e América do Norte, algumas com mais veracidade que outras. Uma destas é a chamada Bruxaria Tradicional ou Arte Antiga, o assunto de seu novo livro “Children of Cain”. De sua própria exposição a diferentes tipos de Arte Antiga, que critério tendeu a defini-lo e separá-lo de outras formas de magia e crenças populares?

MICHAEL HOWARD. Em minha opinião a Bruxaria Tradicional pode ser definida pelo fato que combina vários sistemas mágicos e crenças e formas de trabalhar a magia desde o primitivo ao sofisticado – a chamada ‘baixa magia’ e ‘alta magia’. Por exemplo se faz uso de marionetes para cura e maldição e a prática de magia da fertilidade junto com o sistema de crença gnóstica oferecendo a promessa da salvação espiritual e iluminação.

Isto está resumido com alguns comentários feitos por um dos bruxos tradicionais modernos que estão em meu livro, Robert Cochrane, falando de seu bisavô em uma carta a Robert Graves. Cochrane disse que as bruxas de Warwickshire e Staffordshire comandadas pelo seu ascendente não estavam interessadas em atingir estados místicos. Ao invés disso, elas praticavam magia por uma razão mais básica como boas colheitas, crianças saudáveis e poder para resistir aos seus opressores. Claro que existiram e existem muitos covines tradicionais que trabalham magicamente para ambos os fins. Sobre isso existem exemplos de ocultistas de classe média trabalhando magicamente com bruxas rurais que provam isso.

THP. Nós estamos testemunhando o uso de termos como “Wicca Tradicional”, com a visão de muitos iniciados como um oxímoro. Você acha que há uma tentativa de vários grupos mágicos de borrar as linhas de definição ou de se apropriar dos limites traiçoeiros da Bruxaria Tradiconal e, se sim, por que?

MH. Eu não tenho certeza se wiccanos estão deliberadamente tentando se apropriar dos limites traiçoeiros da bruxaria tradicional e não vejo uma conspiração nisso. Entretanto o uso dos termos “Wicca Tradicional” ou “ Wicca Tradicional Britânica” usada nos Estados Unidos tem certamente borrado as linhas de definição. Do que eu posso dizer o termo Bruxaria Tradicional Britânica foi primeiro usada nos Estados Unidos para definir e identificar aquelas linhagens da bruxaria moderna neopagã originada com Gerald Gardner, Alex Sanders e seus seguidores. Estas eram linhagens estabelecidas com uma estrutura sacerdotal hierárquica e iniciação formal com várias etapas ou graus. Por usar o termo “Wicca Tradicional” ou “Bruxaria Tradicioal Britânica” seus seguidores estavam separando-a das mais recentes formas ecléticas de “Wicca Nova Era” [Neowicca-NT] e de tradições como a bruxaria solitária e as “hedgewitches” [bruxas rurais-NT]] ou “bruxas cozinheiras”. Obviamente isto causou confusão entre bruxas tradicionais não-wiccanas e wiccanos. Um fórum de bruxaria tradicional na internet frequentemente tem wiccanos entrando porque eles não sabem a diferença entre “Wicca Tradicional” e o Tradicional ou Velho Ofício que pré existiu a Gardner.

Também há uma tendência para os seguidores da bruxaria neopagã em negar a realidade do Ofício Tradiconal pré-Gardner e, ironicamente considerando suas origens recentes, afirmarem que é uma invenção moderna. Uma razão para isso é que há apenas uma tênue conecção entre a crença e a prática do neopaganismo moderno e grupos wiccanos e bruxaria histórica e as religiões pré-cristãs do passado.

THP. Que circunstâncias levaram-no a escrever “Children of Cain” [Crianças de Caim-NT]?

MH. Minha razão principal para escrever esse livro foi porque eu tenho estudado e pesquisado o Ofício Tradicional de uma forma ou outra por cerca de cinquenta anos. Neste período e tenho conhecido ou correspondido com muitos de seus líderes que estão presentes no COC. Então eu me sinto qualificado o suficiente para escrever sobre eles através de meu próprio conhecimento. Minha segunda razão para escrever esse livro foi o de dispersar alguns dos enganos e equívocos a respeito do assunto. A melhor forma de fazer isso era descrever as vidas daquelas bruxas tradicionais que são publicamente conhecidas e as crenças e as práticas das tradições que elas fundaram.

THP. Quais são os conceitos errados mais comuns sobre a Bruxaria Tradicional?

MH. O principal é que muitas das afirmações de bruxas tradicionais em livros e artigos e websites que o Ofício Tradicional é uma “religião pagã de fertilidade”. Isto leva a aberrações como “Bruxaria Tradicional Céltica” e afirmações espúrias de antigas tradições que datam da época pré-cristã. Muitas bruxas tradicionais sequer definem seu ofício como religião no sentido aceito pelo mundo, ou mesmo no sentido pagão. Para elas bruxaria é um sistema mágico ou um caminho oculto de desenvolvimento psíquico e espiritual.

Existe também a tendência em identificar a bruxa tradicional como a velhinha que faz remédios herbais na cozinha de sua cabana com rosas em volta de sua porta. Este era e é apenas um aspecto da bruxa tradicional ou pessoa habilidosa. Infelizmente esta imagem é frequentemente emoldurada em uma visão romântica de um passado que nunca existiu. Não era tudo doçura e brilho. A verdade brutal é que a bruxa tinha que fazer as poções porque não havia saúde pública e elas viviam em condições de pobreza e doenças. Ocasionalmente essas poções eram feitas para abortar fetos não desejados ou de se livrar de alguém que trazia problemas. Também em volta da mulher sábia e homens habilidosos existiam grupos de bruxas trabalhando práticas mágicas de forma organizada e ritualizada.

Hoje nós temos o fenômeno moderno da dita ‘hedgewitch’ ou bruxa solitária, às vezes chamada de “bruxa da cozinha”. Porém a escritora feminista que cunhou este termo em 1980 sequer percebeu que ele tinha uma origem ancestral! Em sua forma arcaica em relação ao Ofício Antigo a palavra hedgewitch tem um significado diferente e quer dizer “montadora da fronteira” ou “montadora de cerca”. Nos tempos antigos a cerca ou muro era o limite físico ou barreira entre a vila e a cidade e a floresta. Daí o termo popular que algo ou alguém que não é socialmente aceitável está “além do palo”, do inglês médio palus, uma cerca pontuda de madeira ou estaca em uma cerca.

No Ofício Antigo a cerca é a fronteira simbólica ou ponto de passagem entre este mundo e o além. Portanto a “montadora de cerca” é uma pessoa que pode atravessar entre os mundos. Eis o porque “bruxas” em áreas rurais eram chamadas, certo ou errado, como pagãs, do latim paganus significando “civil” ou “habitante do campo”, ou seja, alguém que vivia “além do palo”, fora de uma vila ou cidade. Elas eram também popularmente chamadas de “pessoas que vivem na cerca” ou heathens [rurais-NT], do alto alemão antigo significando “selvagem”. Eventualmente o termo heathen veio a significar uma pessoa inculta e especialmente qualquer um que não era cristão, judeu ou muçulmano. Isto não significa que aqueles conhecidos como wiccians, ou bruxas, no período pós-romano e anglo-saxão eram seguidores de religiões pagãs, embora crenças pagãs possam ter sobrevivido em suas costumes ritualisticos, como fazer oferendas aos genii loci [gênios ou espíritos locais-NT], e a magia natural que realizavam

Outro erro importante cometido por estrangeiros sobre a bruxaria tradicional é que é patriarcal e machista. Isto pode ser entendido dessa forma porque muitos dos escritores públicos sobre o assunto, com raras exceções, coincidentemente sejam do gênero masculino. Da mesma forma o Deus Cornífero tem uma posição proeminente e às vezes exclusiva na teologia e muitos dos covines tradicionais eram (e ainda são) liderados por um homem. Isso às vezes encobre o fato importante que as mulheres são na verdade o “poder por trás do trono”. Elas têm um papel importante e tradicional no Círculo da Arte como videntes e médiuns, mas também como magistas e sacerdotisas com uma posição igual aos oficiantes masculinos. É um fato da vida que menos mulheres do que homens são atraídos ao Ofício Tradicional, possivelmente por causa do equivoco popular que é dominado pelo macho. Aquelas que tendem a ser mulheres fortemente confiantes confortáveis com seu gênero e sexualidade, individualistas, altamente psíquica e/ou mediunamente e naturalmente adaptável à prática mágica.

THP. Você passou um bom tempo de sua vida vivendo no campo e trabalhando em fazendas, essa proximidade com a vida e tradição rural afetaram sua compreensão da prática e da tradição do cunning-craft [ofício popular-NT]?

MH. Viver no meio rural influenciou profundamente meu contato com o Ofício. Meu primeiro contato profissional com a bruxaria não foi por livros, embora isso tenha vindo mais tarde enquanto eu tentava entender o que era o que eu tinha encontrado. Foi durante um encontro com um agricultor local quando eu estava estudando em um colégio rural em Somerset por volta de 1960. Ele me contou sobre “velhas senhoras” que ele chamava de bruxas e que podiam curar e maldizer. Minha experiência é que uma relação simbiótica com a terra e seus genii loci é essencial a qualquer prática de bruxaria tradicional. Eu não estou falando de alguma forma de “religião da natureza” neopagã porque a relação da bruxa tradicional com seu ambiente é muito diferente disto.

Onde quer que seja possível, considerando as variações do tempo britânico, sempre é preferível trabalhar o Ofício fora de casa. Existe uma interação definida entre o praticante, seu local ou espaço de trabalho, a paisagem em volta e os espíritos auxiliadores e a vida selvagem. Enquanto o Círculo ou Arte é mesmo um “espaço entre os mundos”, nos trabalhos fora de casa isto providencia o espaço sagrado e mágico onde humanos possam também interagir com a terra e seus visíveis e invisíveis habitantes.

Para muitos oficiantes tradicionais esta interação com a terra, a lua e as estrelas, o contato com os geni loci ou espírito da terra, e o conhecimento ritual da roda das estações e o ciclo agrário, é a essência e o coração do Ofício deles. Eles irão representar ou simbolizar os espíritos que eles reverenciam em termos das forças naturais e reconhecerão e trabalharão com as propriedades mágicas e virtudes da flora e da fauna. Entretanto, isto não torna bruxas tradicionais “adoradoras da natureza”. Ao invés disto, elas vêem a humanidade encarnada, temporariamente separada ou divorciada do reino espiritual, como parte da natureza e do mundo natural – e elas não são fúteis ao ponto de adorarem a elas mesmas!

THP. Pelo que você sabe, quantos grupos de Bruxaria Tradicional estão funcionando atualmente na Bretanha e destes quantos tem figuras públicas?

MH. É quase impossível adivinhar ou estimar quantos grupos genuínos de Ofício Antigo ou tradições familiares hereditárias ainda sobrevivem nas ilhas britânicas. A despeito de minha experiência considerável eu não gostaria de dar uma impressão. Atualmente devem ser poucos. Eu sinto que os poucos grupos e tradições publicamente conhecidos descritos em meu livro, como o Cultus Sabbati, Coven of Atho, Clan of Tubal Cain, Whitestone e Pickingill Craft, são a ponta do iceberg. Outros desconhecidos ainda preferem permanecerem ocultos e nas sombras. Pode-se entender às vezes o por que!

THP. O que, em sua experiência, são os fatores presentes na Bruxaria Tradicional que acentua sua natureza oculta ou secreta?

MH. A razão por detrás do segredo inerente na bruxaria tradicional pode ser melhor resumido na velha e confiável máxima do ocultismo: “conhecer”, “ousar”, “querer” e “guardar silêncio”. O mais importante destes é guardar segredo. Para que a magia prática tenha sucesso um alto nível de segredo deve estar na equação. A lei da velha magia – e lenda – afirma que falar com estranhos sobre os trabalhos mágicos dispersa seu poder para alcançar resultados.

Outro fator importante é que existem certas práticas no Ofício Tradicional que se amplamente conhecido aos cowans [pessoas comuns-NT] poderiam ser mal compreendidos. Em verdade, seria considerado por estes no mínimo de mal gosto e no máximo nojento. Um exemplo clássico é o uso de crânios humanos como um oráculo para comunicação espiritual. Outro seria rituais em cemitérios e um terceiro poderia ser o uso de fluidos corpóreos como sangue, sêmen e secreções vaginais em feitiços, etc. o rito de maldição, embora raro e pouco usado, também não correspondem com a imagem popular promovida pela propaganda wiccana da dita “bruxa branca” que “não prejudica ninguém”. Por estas razões o lado prático da bruxaria tradicional em bases individuais será, ou deveria ser, oculta e secreta por natureza.

Também há a importante questão da privacidade pessoal. O que me surpreende na tendência moderna das alegadas “bruxas tradicionais” ao descreverem seus locais de trabalho, a maior parte com referências e códigos postais e ferramentas de trabalho, etc, em blogs da internet e e salas de bate-papo e fóruns de discussão para milhões verem. Aqueles que o fazem não deveriam se surpreender se na próxima vez eles se encontrarem para um ritual eles terem uma audiência de espectadores!

THP. Como uma tradição mágica, a Bruxaria Tradicional tem sido criticada pelo seu elitismo e exclusividade. Tomando seu conhecimento dos vários grupos lineares em total, quais são as razões para isso?

MH. Deve ser aceito o fato que a Bruxaria Tradicional é elitista. Ela é para poucos, não muitos e sempre será. De algum jeito isto é auto-gerado e auto-criado porque nem todos que está interessado na bruxaria per se serão atraídos pelo lado tradicional. Muitos estão bastante felizes com o que as formas de bruxaria neopagã moderna mais popular e mais acessível tem a oferecer.

Em um nível esotérico o conceito espiritual do “sangue de fada” ou “sangue de bruxa” descendentes dos Velhos Deuses ou dos Guardiões é uma crença central em muitas das formas da bruxaria tradicional. Nós não estamos falando aqui de uma continuidade física ou alguma forma única de DNA. Ao invés são almas que voltam ao Ofício através do processo de encarnação em “casacos de carne”. Neste sentido esta é a forma rudimentar de elitismo e exclusividade.

THP. Junto com Paul Huson, você foi um dos primeiros escritores ocultistas a falar abertamente sobre a presença de Lúcifer e o arcano luciferiano na Bruxaria Tradicional. Qual foi sua exposição inicial a este ramo da lenda de bruxas e como você vê a proliferação das afirmações “luciferianas” no ocultismo popular?

MH. Eu contatei pela primeira vez a tradição luciferiana mais no contexto da tradição da magia angélica do que na bruxaria. Era 1960 quando eu era um estudante da taróloga, astróloga e maga Madeline Montalban e um membro da sua Order of the Morning Star [Ordem da Estrela Vespertina-NT]. Não foi antes de ler a obra clássica de Paul Huson “Mastering Witchcraft” [Dominando a Bruxaria-NT] e uma reimpressão americana do livro de Charles Godfrey Leland, “Aradia: Gospel of the Witches” [Aradia o Evangelho das Bruxas-NT] que eu encontrei a histórica tradição luciferiana na bruxaria.

Por muito tempo eu considerei Lúcifer como o Deus das Bruxas e então isso tudo se encaixou em um sentido do Ofício quando eu comecei a me corresponder com Andrew Chumbley do Cultus Sabbati. Foi em 1992 quando ele me enviou a primeira edição de seu grimório do Sabbatic Craft Azoetia para comentar em minha revista The Cauldron. O nome de Madeline para Lúcifer era Lord Lumiel (latino-hebraico) ou Lumial (latino-arábico), significando “Luz de Deus”. Ela afirmou ter recebido este nome diretamente a fonte durante uma visão que ela teve em 1950. Interessantemente em circunstâncias similares Andrew também recebeu o mesmo nome, mesmo sem que ele tivesse qualquer conhecimento de Madeline ou de seus ensinamentos. Desde então o nome Lumiel tem sido amplamente adotado no mundo todo como um nome mais aceitável e menos controvertido para o arcanjo rebelde e Senhor da Luz.

Em 1990 eu saí do armário luciferiano ao escrever uma série de artigos no The Cauldron sob o pseudônimo de “Frater Ashtan”. Estes artigos foram mais tarde incorporados em meu livro The Pillars of Tubal Cain [Os Pilares de Tubal Cain-NT] publicado em 2000 pela Capall Bann. Em meus artigos e no livro eu usei o nome “Lumial” para Lúcifer e cunhei o termo “Ofício Luciferiano”. Este termo foi usado para descrever aquelas formas de bruxaria tradicional moderna que reconhecia Lúcifer como o Deus das Bruxas e salvador e redentor da humanidade. Desde que muitas pessoas entraram na onda luciferiana e variavam desde o genuíno ao falso com alguns malucos espalhados também. Exemplos genuínos de grupos de Oficio Luciferiano que apareceram ao público e estão em meu livro são o Cultus Sabbati, Whitestone, o Pickingill Craft, e o covine original de Robert Cochrane.

THP. Que diferença você percebe no Antigo Ofício da atualidade e aquele que estava ativo em 1960, pouco depois da morte de Robert Cochrane?

MH. Depois do infortunado suicídio de Cochrane no verão de 1966 um dos únicos que clamaram públicamente seguir um caminho tradicional foi a Sybil Leek e ela fugiu aos EUA de pois de Ter saído de sua vila pela excessiva atenção midiática e hostilidade local. Leek afirmou ter sido iniciada no Horsa Coven em New Forest em época anterior aos Saxões. Ela não está incluída em meu livro porque eu sempre tive muitas dúvidas sobre suas afirmações fantásticas e contraditórias. Outras bruxas tradicionais que eram também proeminentes na época foram Charles e Mary Cardell do Coven of Atho e eles são mencionados. Desafortunadamente eles se envolveram com o tribunal depôs que um jornalista espiou um de seus rituais e publicou uma matéria sensacionalista. Os Cardells perderam a causa, foram forçados a pagar as custas que os levou à ruína e então sumiram da atenção pública.

Depois da morte de Cochrane dois membros de seu covine, os quais haviam saído vários meses antes de sua morte, fundaram The Regency e este grupo pioneiro aparece no livro no capítulo dedicado a isto. Tinha um círculo interno que incluía muitos membros do velho covine. Entretanto tinha uma ‘outer court’ [corte externa-NT] neopagã que organizava os rituais sazonais em vários locais abertos ao públicos. Isto era único na época. Eles também atraíram muitos wiccanos e ocultistas da cena esotérica na época. Estes rituais abertos continuaram até 1970 quando o The Regency tornou-se u grupo fechado mais uma vez. Devido à idade e saúde de seus membros sobreviventes recentemente ele cessou de congregar.

Não foi até 1980 e 1990 que outros oficiantes tradicionais que estão descritos no [livro-NT] Children of Cain, como Andrew Chumbley do Cultus Sabbati, Tony Newman da tradição Whitestone e Evan John Jones do extinto grupo de Cochrane, apareceram em público. Eles eram seguidos por pessoas como Bob Clay-Egerton, cuja apresentação em um velho covine em Alderley Edge em Cheshire durante a Segunda Guerra Mundial está também registrada no livro.

No que tange ao Velho Ofício em geral, em 1960 e 1970 seus membros mantiveram um perfil discreto. Muitos objetaram e ficaram horrorizados com a publicidade procurada por Gerald Gardner. Eles temiam que ao atrair a atenção à existência continuada da bruxaria nos dias de hoje a perseguição seria revivida e eles seriam expostos e prejudicados. Realmente muitas histórias sensacionalistas nos jornais em 1950 e 1960 sobre a bruxaria moderna levaram à tentativas de reinstaurar leis anti-bruxaria. Tem sido sugerido que praticantes das artes ocultas como tarólogos, mediuns e clarividentes devessem ser registrados e licenciados!

Ironicamente a exposição midiática mais positiva que os wiccanos receberam em 1980 e 1990 encorajou a muitos membros da Velha Crença a se arriscarem a aparecer públicamente. A motivação deles foi a de provar que outras formas de bruxaria além da Wicca existiam e tinham uma procedência histórica e isto ainda é uma luta em curso. Também foi para encontrar uma necessidade genuína enquanto muitos dos que foram iniciados na Wicca popular tornaram-se desiludidos com ela. Eles agora estão buscando algo mais profundo e mais autêntico. O desafio tem sido feito, talvez em alguns casos justificadamente, que ao provar um rosto público o Ofício Tradicional estava sanado para o consumo geral. Entretanto este rosto público muitas vezes era uma máscara que mais ocultava do que mostrava. A este respeito ele ainda está comprometido com a necessidade de um grau de segredo e ocultamento citado anteriormente.

THP. Desde 1999 você tem sido um iniciado da Ordem de Bruxaria Tradicional Cultus Sabbati. Até onde você pode falar, quais destaques de seu corpo iniciático ficaram fora, fora outras linhagens de bruxa que você tenha familiaridade?

MH. Em nível pessoal minha indução na Cultus Sabbati foi como “voltar para casa”. Quando pela primeira vez eu entrei no círculo com outros membros minha sensação imediata foi de uma conecção espiritual psíquica e física poderosa com algo realmente genuíno e muito antigo. Isto não é algo que se possa forjar, embora muitos charlatães, pretensiosos e impostores tenham tentado por anos.

Buscadores me perguntam como eles podem reconhecer o que é o autêntico Ofício Tradicional. Mais e mais eu acredito que é essa conexão com a bruxaria histórica, tanto em crença quanto em prática, que provê o critério necessário para julgar o que é autêntico e o que não é. Diferentes ramos do Antigo Ofício tem semelhanças e diferenças é claro. Entretanto a maior parte das formas genuínas de bruxaria tradicional compartilham certas “chaves” que podem ser reconhecidas e indicar que são genuínas.

THP. Você passou um bom tempo pesquisando o bruxo tradicional Robert Cochrane e seu Clan of Tubal-Cain. Você também teve contato com Evan John Jones enquanto ele era vivo, assim como outros membros que conheceram ou trabalharam com Cochrane. Quais são suas opiniões sobre o legado de Robert Cochrane e sua influência atual na Bruxaria Tradicional?

MH. Em uma carta para seus correspondentes Robert Cochrane expressou sua frustração com outros membros de seu covine. Ele os intimou que não estavam entendendo o que ele estava fazendo. Quando eu encontrei Evan John Jones em sua casa em Brighton e falei bastante com ele sobre o velho covine eu tive a mesma impressão. Um incidente em particular durante minha estadia com ele ilustrou graficamente isto.

Eu mostrei a John uma carta escrita por Cochrane ao curandeiro Norman Gills de Oxfordshire na qual Cochrane descreve a invocação a Lúcifer. John não estava feliz com o conteúdo desta carta pois ele havia negado que Cochrane a escreveu. Ele afirmou que não havia aspectos luciferianos no velho covine quando ele era membro. Esta situação mudou evidentemente assim que o oficial Clan of Tubal Cain na GB, herdada de John Jones por Shani Oates, em 1990 agora descreve-se publicamente como uma tradição “gnóstica-luciferiana”.

Depois da morte de Cochrane o Clan of Tubal Cain na forma do velho covine virtualmente cessou de existir. John Jones resignou do Ofício para lidar com assuntos domésticos e não foi até a metade de1980, com a permissão da viúva de Robert Cochrane, que ele decidiu reviver o Clan e iniciar um casal americano – algo que ele me disse mais tarde Ter se arrependido amargamente. Eu acho que a quebra de continuidade foi muito importante e explica muito o que se seguiu – a forma como sua tradição mudou desde sua morte e a disputa atual entre sucessores rivais pela liderança do Clan.

Acima de tudo a tradição de Robert Cochrane tem tido uma poderosa e importante influência no revivalismo moderno da bruxaria tradicional. Por exemplo, seus sistema de Ofício está sendo trabalhado e continua sendo bem sucedido por grupos e indivíduos que não são publicamente conhecidos e não fazem afirmações sobre iniciação física vindo de seu fundador. Cochrane pode ou não ter sido econômico quanto a verdade sobre algumas de suas afirmações de ser um bruxo tradicional de uma tradição familiar. O júri ainda está deliberando.

Se Cochrane não era um bruxo tradicional então nós temos que ter contato com membros genuínos do Velho Ofício. Porque sua tradição contém muitas das “chaves” mencionadas antes que podem ser usadas para identificar a bruxaria tradicional. Eis o porque ser ridículo que seus críticos dizerem que Cochrane “forjou tudo”. É significante que estes que fazem tais afirmações nunca tenham trabalhado pelo seu sistema. Se o fizessem, eles mudariam de opinião — assim que trabalhasse e desse resultados. Este é o teste final de qualquer forma de bruxaria ou magia.

THP. Como escritor-editor e iniciado, você ocupa uma posição única, estando com um pé dentro e outro fora do Círculo. Como esse acesso tanto ao interior quanto ao exterior da Bruxaria Tradicional afetou-o em sua compreensão?

MH. Eu acho que tornou a minha vida mais difícil! Pode ter me ajudado a entender o Ofício e suas várias formas mas teria sido mais fácil se eu fosse um membro anônimo de um covine. Ser uma pessoa pública e uma vida íntima mágica é um ato dificil de manobrar. Em meu caso entretanto serve muito bem minha dupla personalidade geminiana!

THP. Embora alguns praticantes modernos afirmem pertencer a uma linhagem da Bruxaria Tradicional que são “puras” em suas origens regionais ou culturais, na maior parte das vezes nós vemos que a bruxa-feitiçeira é altamente sincrética em natureza, incorporando diversos elementos de encantos mágicos e crenças populares. Um exemplo é o prevalecimento de grimórios continentais e magia salomônica na bruxaria britânica e na prática dos curandeiros populares. Em sua opinião, quais foram as grandes contribuições originais que o Velho Ofício deu ao ocultismo ocidental?

MH. Enquanto esta pode ser uma visão controversa, eu acho dificil separar completamente o Velho Ofício da tradição mágica ocidental. A relação entre a bruxaria histórica e magia cerimonial é complexa e difusa. Antes nesta entrevista houve uma referência a ocultistas trabalhando com bruxas rurais que ilustrava esta questão. Um exemplo disto que eu passei pessoalmente foi a história de um Magister de um covine em Northern England no século XIX que estava envolvido com o tipo de magia da Hermetic Order of the Golden Dawn. Como resultado isto foi introduzido no que anteriormente era um covine de bruxas rurais.

As outras contribuições do Velho Ofício para a tradição mágica se relaciona com a sobrevivência da magia salomônica. Era sempre as bruxas quem preservavam as práticas mágicas na tradição dos grimórios. Em seu livro “Witchcraft and the Inquisition in Venice 1550-1650”, Ruth Martin faz referência à uma mulher detida por praticar bruxaria e uma cópia da Key of Solomon [Chaves de Salomão-NT] foi encontrada em sua casa. Ela evidentemente havia emprestado o grimório e estava copiando manualmente material dele em seu “Livro Negro” pessoal.

Mesmo Gerald Gardner herdou esta tradição dos Elders do velho covine que ele foi iniciado em New Forest em 1939. Em um artigo na revista Illustrated em 1952 dizem que foi adicionado material da “Key of Solomon” em seus rituais. No protótipo do “Book of Shadows” [Livro das Sombras-NT] de Gardner, “Ye Bok of ye Arte Magical” escrito em 1940, o ritual de lançamento do círculo vem da “Key” e é o magus (sic) quem lança com uma espada cerimonial e não a sacerdotisa como em versões recentes do BoS [LdS-NT]. Elementos da Hermetic Order of the Golden Dawn e da OTO [Ordo Templo Orientis-NT] e AA [Astrum Argentum-NT] de Aleister Crowley foram também introduzidos na bruxaria moderna neopagã.

Bill Liddell do Ofício de Pickingill me disse que os velhos curandeiros emprestaram sigilos e “palavras bárbaras de poder” dos grimórios para usar em encantos para combater o poder da bruxaria maléfica. Seus clientes ficaram impressionados que essa “magia superior” pudesse superar maldições. Entretanto, ele adicionou, a ironia era que esses curandeiros eram eles mesmos bruxos. Na maioria o curandeiro da vila era também o líder do covine de bruxas local.

THP. Seu livro “Children of Cain” discute minunciosamente a figura controversa de George Pickingill. Bill Liddell, quem você mencionou, afirma ser um membro hereditário da bruxaria tradicional de Pickingill. Ele escreveu uma boa quantidade de informação sobre esse assunto, mas foi muito contraditório. Considerando seu conhecimento pessoal da Bruxaria Tradicional em Essex, quais são os maiores argumentos que Pickingill era de fato um praticante de magia?

MH. Tendo me correspondido com e sobre [Pickingill-NT] com Bill Liddell desde 1977 eu não estou querendo, como seus críticos, dispensa-lo como mentiroso e fantasioso. Eu concordo que a imagem que ele apresenta de George Pickingill não se encaixa na conhecida imagem pública desse curandeiro. Talvez isto apenas mostre o quanto o velho George era em esconder a verdade. Algumas contradições podem surgir pelo fato que Bill estava passando a informação que seus Elders e outros lhe passaram e algo disto pode ter sido lendário. Porque ele escreveu em primeira pessoa em seus artigos as pessoas não perceberam que a informação de Bill estava vindo de diversas fontes. Cada uma dessas fontes tinha sua própria agenda para promover e eram elas mesmas contraditórias.

As histórias populares sobre Pickingill e seus poderes mágicos colecionados pelo folclorista amador Eric Maple em Canewdon em 1950 providenciou muitas evidências conectando as práticas dos curandeiros com a bruxaria histórica. Também tinha a intenção de generalizar que como curandeiro e bruxo Pickingill não era uma figura isolada na vila. Maple colecionou muitas histórias sobre outros habitantes de Canewdon que eram reputados como bruxos e podem ou não terem sido associados com o velho George e seu alegado covine. Isto é por que era popularemente conhecido como o “bruxo da vila” e a área em volta era “região de bruxas”.

Novamente a descrição das crenças populares sobre as bruxas e magos de Canewdon e seus poderes alegados e atividades ressoou com considerações da bruxaria histórica e também a sobrevivência do Velho Ofício na moderna Essex e leste da Inglaterra. Um exemplo é o amplo uso das bruxas do século XIX e XX em Canewdon de espíritos familiares. Estes assumiam a forma de ratos brancos e coelhos brancos tanto quanto criaturas híbridas. Familiares [espíritos-NT] também aparecem nos processos de bruxaria em East Anglian 200 anos antes e isto sugere uma continuidade histórica de crença e prática.

THP. Nos círculos ocultistas modernos, há uma animosidade entre os praticantes de magia cerimonial e bruxaria. Entretanto, magia cerimonial, conjuração de anjos, controle de elementais e comando de espíritos goéticos foram produtos de troca dos curandeiros britânicos, e também é frequentemente encontrado na Bruxaria Tradicional. Aonde estão os pontos históricos mais importantes do contato entre os praticantes de bruxaria rural e magia cerimonial urbana?

MH. Como mencionado antes, eu nunca entendi esta dicotomia entre bruxaria e magia cerimonial ou os fortes sentimentos que isto engendra atualmente. A bruxa gardneriana Doreen Valiente afirmou que o Ofício nada tinha com magia medieval e posteriores tradições mágicas ritualísticas. Entretanto, em seu livro “Where Witchcraft Lives” publicado em 1962, ela descreve um rito de bruxa para divinar [um tipo de oráculo-NT] o futuro usando uma bola de cristal. Na mesa ao lado ela diz que tem uma faca de ritual, um turíbulo, uma caixa de incenso e um pentáculo feito de cera branca gravado com sigilos mágicos. Evidente que o pentáculo é uma das ferramentas do trabalho tradicional do magico cerimonial!

Parte do problema é a projeção das visões e idéias do moderno neopaganismo de volta em um passado que nunca existiu e a teoria que a bruxaria histórica era uma sobrevivente direta das religiões pré-cristãs. Como Robert Cochrane disse, elementos dos cultos de mistério pagãos sobreviveram nos históricos cultos de bruxas mas não era “pagão” per se. Elementos de velhas crenças pré-cristãs podem também serem achadas nas lendas folclóricas, o que era e é conectado com o Ofício e em alguns costumes sazonais populares.

Historiadores como Carlo Ginzburg, Bengt Ankarloo e Gustav Henningsen identificaram elementos na bruxaria histórica da sobrevivência da adoração de uma forma de Deusa que pode ser identificada tanto como Diana como Frau Holda. O ensaio de Gustav Henningsen “Ladies From the Outside: An Archaic Pattern of the Witche’ Sabbath in Early Modern Witchcraft: Centres and Peripheries”, publicado por Clarendon Press Oxford em 1993, é uma fonte útil relacionada a esta teoria. O ensaio fala da perseguição das bruxas sicilianas pela Inquisição Espanhola quando a Sicília era uma colônia imperial espanhola. Descreve observações coletadas pelos inquisidores dos contatos entre bruxas e fadas e uma reverência de uma figura feminina identificada pelos seus seguidores como a “rainha das fadas”. Uma “Deusa” similar é conhecida também nos processos contra bruxaria na Inglaterra e Escócia e era chamada de “Rainha de Elfhame’ ou Terra das Fadas.

Voltemos ao tema bruxaria e magia ritual. A evidência sugere que as formas arábicas da práxis mágica e o material dos papiros greco-egípcios que foram incorporados mais tarde nos grimórios e na tradição salomônica entrou pelo sul da Europa durante a ocupação moura da Espanha medieval. Este foi um período crucial na história do culto das bruxas europeu quando idéias, conceitos, crenças e práticas do Oriente Médio e Norte da África influenciaram seu desenvolvimento e evolução.

Pelo fim da Idade Média é dificil ver as diferenças entre bruxas e praticantes de magia cerimonial. Em verdade eles se juntaram nos papéis encenados na magia popular pelos curandeiros e curandeiras. A diferença perceptível entre a bruxa e o mago eram muito baseados na interpretação e categorização dos praticantes de magia por aqueles que estavam perseguindo supostamente bruxas ou pela crença popular mantida pelas massas sobre bruxaria.

Na verdade a palavra “bruxaria” e “bruxa” eram usadas por estranhos para identificar e descrever um amplo espectro de praticantes de magia. Eles não eram provavelmente usados amplamente pelos praticantes para se descreverem. Mesmo hoje existem alguns tradicionalistas que preferem não usar a palavra por causa de suas conotações populares. Robert Cochrane por exemplo se descreve como um pellar – uma palavra da velha linguagem da Cornualha significando um curandeiro ou encantador. Ele também disse que membros modernos do Velho Ofício chama-se de “Povo Bom”, “Papoulas Verdes” (mulheres), “Magos” (homens), “Cavaleiros” e “Jack e Jill”.

THP. Bruxaria Tradicional, em alguns casos, algumas de suas lendas e práticas rituais parecem ter vindo das guildas [corporações ou sindicatos-NT] comerciais, cuja influência definhou com a Revolução Industrial. Por que isto aconteceu e quais aspectos da guilda comercial ou sociedades tem uma ressonância particular com o corpo da prática da bruxaria?

MH. O elo entre a bruxaria tradicional e as velhas guildas comerciais da Idade Média e além é um assunto interessante que tem sido negligenciado nos estudos históricos. Certamente existem ligações entre o Velho Ofício e sociedades secretas na área rural como a guilda dos cavaleiros, o Miller’s Word [uma sociedade teosófica-NT] e a Society of Ploughman [sociedade de fazendeiros-NT]. Bruxas eram encontradas também em sindicatos como o dos ferreiro, sapateiro, alfaiate, seleiros, pedreiros e mineiros.

Um exemplo clássico de uma guilda comercial conectada com a bruxaria tradicional é a Horseman’s Word [guilda de cavaleiros-NT], cujos membros são mais conhecidos com encantadores de cavalos. Esta era uma sociedade rural que se espalhava em East Anglia, o oeste do país e Escócia e era exclusivamente masculina. Em muitos outros aspectos combina com o modelo da bruxaria histórica. As iniciações aconteciam à meia-noite em lugares remotos e envolviam testes e provas, um juramento solene, a passagem do conhecimento secreto e uma comunal e quase sacramental refeição de pão e whisky. Os rituais eram presididos pelo presidente dos cavaleiros que usava uma cabeça de bode e peles de animais. Na Escócia ele era chamado Auld Chiel ou o Velho Chefe – um apelido para o Diabo. Parte da iniciação do Mundo era recitar a história ao candidato de como o primeiro homicida e mago Cain, o patrono dos cavaleiros, domou o primeiro cavalo selvagem.

Há também conecções evidentes entre a bruxaria tradicional e a franco-maçonaria, que se originou das guildas medievais dos pedreiros com suas lojas e era conhecido como “o Ofício”. As lendas medievais maçônicas remontam-no [o termo-NT] à construção do Templo de Salomão em Jerusalém e sua construção supostamente ter sido feita usando métodos mágicos. Salomão era conhecido por ser um poderoso mago e ele evocou djinns ou espíritos para ajudar os trabalhadores humanos a construir o templo. Era também dito que o rei era assistido pelo primeiro ferreiro bíblico, Tubal Cain, um dos avatares do Deus-Bruxo na bruxaria tradicional. A reputação de Salomão como praticante de magia que poderia evocar e controlar demônios ou espíritos nos leva ao mais famosos grimório de todos entitulado com seu nome.

THP. Considerando as mudanças pelas quais o Velho Ofício passou, particularmente nos últimos 50 anos, você ainda o vê como parte vital da vida no campo, e de que formas isto pode ter mudado?

MH. Nós temos que ter cuidado para não encorajar fantasias como o Homem de Palha ou Casa da Colheita, mas, nas palavras imortais de Cecil Williamson, “Isto ainda continua atualmente”. A despeito do uso de fertilizantes químicos, super tratores com ar condicionado e fazendas em escala industrial, é surpreendente como as velhas crenças e superstições sobrevivem na área rural. Pessoas do campo ainda põem uma tigela de mel e leite do lado de fora à noite dizendo que é “para os ouriços”, bonecas de trigo são feitas do último feixe da colheita e mantida na fazenda para o próximo ano como um encantamento de fertilidade, e pedaços de bolo enterrados no primeiro sulco de um campo arado, enquanto o próprio arado é abençoado, embora seja na igreja pelo vigário. Ainda existem indivíduos dotados que podem encantar verrugas, curar doentes e terem a Segunda Visão. Poucos possuem o poder maléfico do Olho Gordo.

Também existem covines no campo seguindo a tradição do Velho Ofício e evitando a exposição pública. Alguns destes são grupos revivalistas oriundos dos tempos modernos, mas outros afirmam origens mais remotas. Um dos mais velhos covines rurais no país se encontra na pitoresca vila de Long Compton próxima do círculo de pedras de Rollright na borda de Oxfordshire-Warwickshire. O curandeiro Norman Gills, que é mencionado em meu livro, afirma ter tido contato com esse velho covine. Eles usam ritualmente um par de chifres de cervo que estavam em propriedade de Gills e vieram a estar em propriedade de um amigo meu alguns anos atrás. Eles estão agora sendo usados por um covine tradicional moderno em Shropshire que lhes deu uma ligação mágica e física com o Velho Ofício. O covine de Long Compton ainda estava ativo em 1960 e, se os rumores locais são verdadeiros, ainda existem atualmente.

THP. Como você vê o papel da “observância dupla de crenças” na Bruxaria Tradicional?

MH. Se olharmos nas declarações dos processos de bruxaria existiam muitos encantamentos usados pelos acusados que eram cristãos ou semi-cristãos. Muitos destes eram de origem do catolicismo romano e pré-reforma evocando a Virgem Maria, o Pai, Filho e Espírito Santo, e a companhia dos santos. Hoje em dia algumas bruxas tradicionais usam salmos para propósitos mágicos e subvertem e invertem o imaginário, o simbolismo e crenças cristãs de uma forma herética. Outros oficiantes vêem a história de Jesus como uma versão legítima do antigo mito do “Deus sacrificado” ou rei divino. Eles não vêem problema em atender a serviços especiais na igreja como a Missa da Meia-noite na Véspera do Natal, quando o Senhor da Luz nasceu, ou o Festival da Colheita em setembro em celebração do espírito do milho John Barleycorn.

THP. Qual a sua opinião sobre a idéia que os espíritos ou divindades encontradas na bruxaria e na magia serem meros aspectos da psiquê humana?

MH. Há uma visão pós-moderna baseada na psicologia que seres espirituais não tem existência real. Em verdade eles estão “na mente” ou na “psiquê humana”. Esta idéia não pode ser confundida com a antiga doutrina esotérica do “deus interno” ou da fagulha divina que todo ser humano, nascido do barro ou renascido, tem e cuja qual nos conecta ao reino espiritual enquanto estamos encarnados no mundo material.

Falando de minha própria experiência, eu não tenho dúvida que os espíritos tem uma realidade objetiva. Enquanto eles estão separados de seres humanos é verdade também que individual e coletivamente praticantes da Arte são atraídos a um espírito particular. Em minha opinião isto não acontece porque eles são aspectos de nossa psiquê. Ao invés disso, eles são atributos destas entidades que correspondem aos traços da personalidade, ênfase mágica e desenvolvimento espiritual tanto do praticante quanto do grupo e das tradições. Certamente quando espíritos se manifestam no Círculo da Arte é claro que não são apenas projeções da mente humana.

Se nós acreditamos na realidade de um reino multidimensional além do mundo material, e esta é a crença central na bruxaria, então nós temos que aceitar que é habitado por outros seres, que são quer sejam humanos ou não-humanos. No Além estas entidades podem não aparecer em forma física que nós poderíamos reconhecer. Tem sido sugerido que de fato eles podem aparecer em formas abstratas como energia pura. Por esta razão quando eles interagem com humanos os espíritos podem adotar imagens arquétipas que são cultural e históricamente relevantes aos que os experimentam.

O mágico cerimonial W.E. Butler uma vez me disse uma história interessante a este respeito. Ele e sua esposa, que era médium mas não uma maga treinada, estavam visitando um antigo local no campo próximo de seu lar em Hampshire. Enquanto estavam no local ambos experimentaram independentemente uma visitação de um elemental ou fada. Quando descreveram suas experiências um para o outro a esposa de Ernest disse que parecia com uma típica fada, pequena e vestindo uma típica túnica verde medieval com um gorro e sapatos pontudos. Em contraste com essa imagem popular do Povo Bom vista por sua esposa, Ernest viu a entidade como uma pequena bola de luz verde.

Em muitas formas do Ofício Tradicional existem os mitos dos Vigias ou chamados de “anjos caídos” encarnados em “casacos de carne” no mundo material. Eles fazem isso como exemplos culturais então eles podem instruir os humanos nas artes da civilização e magia. Alguns oficiantes luciferianos também crêem que através das eras Lumiel reencarnou na forma física em seu papel como Senhor do Mundo para acelerar o desenvolvimento espiritual da raça humana. Estas visitas recentes estão supostamente registradas nos mitos antigos relacionados a Deuses salvadores sacrificados como Osiris, Tammuz, Adonis, Attis, Mithras, Baldur, Quetzalcoatl – e mesmo Jesus. Se os velhos Deuses e espíritos são meramente aspectos da psiquê humana ou projeções de nossas mentes então estes mitos, e as crenças correspondentes associadas à eles, não existiria no mundo mitológico.

THP. [O livro-NT] Crianças de Caim descreve um capítulo sobre Bruxaria Tradicional na América. Você pode falar um pouco sobre a situação única que permitiu o crescimento da bruxaria e as várias formas híbridas de magia popular nos EUA?

MH. É bem conhecido que religiosos dissidentes e sectários escaparam da perseguição na Europa no século XVII e se instalaram na Pensilvânia, Massachusets e New England. O que é pouco conhecido é que junto dos cristãos alguns dos velhos colonos eram ocultistas que trouxeram com eles tradições da magia cerimonial e popular vindas do Velho Mundo. O infame processo contra a bruxaria em Salem e em outros lugares foi amplamente desprezado pelos historiadores modernos como produtos de histeria moral e intolerância religiosa. Ainda assim haviam muitas bruxas genuínas, curandeiros e magos operando na América colonial daquele tempo.

Tais práticas de magia popular como divinação pelo método tradicional “cortar e peneirar”, quiromancia e leitura de cartas eram comuns. Havia também o uso de bonecas de pano para maldições, garrafas-de-bruxa para detectar e expor supostas bruxas, remédios herbais para cura e mesmo iniciação no Ofício pelo ‘Man inn Black’ [Homem de Preto-NT]. Nos velhos registros americanos ele era descrito como um nativo americano, provavelmente porque os Puritanos consideravam os habitantes aborígenes do país que eles invadiram como “adoradores do Diabo”.

Um ramo diferente de magia popular emergiu da Diáspora Africana pelos escravos trazido à América para trabalhar para os donos de plantação brancos e como serviçais para famílias ricas. Eles importaram sua própria marca de prática mágica baseadas no espiritismo e fetichismo africano. No Novo Mundo estas crenças originais foram influenciadas pelo Cristianismo, o que providenciou uma “máscara” útil e aceitável. Outras influências externas vieram da fusão das formas de magia espanholas e imagens dos sabbats das bruxas européias com feitiçaria sulina americana nativa.

Imigrantes escapando da extrema pobreza e fome da Irlanda também trouxeram suas p´roprias tradições populares e a “crença das fadas”, como também fizeram os colonos da Escócia. O influxo de pessoas da Alemanha, Holanda e Áustria introduziram a magia do grimório e formas cristãs de encantamento que eventualmente produziu o “hexerei” ou a dita “hexcraft”. Há evidências também no século XIX de tradições familiares e “covens” ou grupos de magia que atraíram a bruxaria histórica britânica misturada com espiritualismo, teosofia e magia cerimonial. Todas estas diferentes influências ocultistas e mágicas ajudaram a criar uma rica tapeçaria da bruxaria e crenças populares pela América do Norte.

THP. Para aqueles que não sabem a distinção, quais são as diferenças essenciais entre Bruxaria Tradicional e Wicca?

MH. Enquanto os wiccanos costumam a trabalhar skyclad [nudez ritual-NT] dentro de casa, bruxas tradicionais trabalham com túnicas fora de casa onde que que seja prático. Então eles são chamados às vezes de “covens vestidos”. Na Wicca a Alta sacerdotisa é a líder do coven acompanhada pelo Alto Sacerdote como seu consorte e as iniciações são feitas estritamente homem-mulher ou mulher-homem. Não pode haver desvios desta regra. Entretanto na maior parte dos covines tradicionais existe um líder masculino, conhecido como Magister (Mestre) ou Diabo e ele pode iniciar a ambos, homem e mulher. Alternativamente o Magister e Magistra (Mestra) podem ter a mesma hierarquia e comandam o coven juntos. Na tradição de Cochrane embora seja geralmente o Magister quem está governando ele tira seu poder e autoridade da Donzela do Clan.

Da mesma forma, enquanto os tradicionais possam reverenciar o Deus-Bruxo e a Deusa-Bruxa, que são deidades ou espíritos específicos, não qualquer Deus ou Deusa pagãos que quiser, igualmente como o Senhor e a Senhora, alguns velhos covines são exclusivamente voltados ao culto do Deus Cornífero. Mesmo quando há igualdade divina no Ofício Tradicional, o Deus é uma figura bem menos emasculada do que em sua contraparte na moderna Wicca e tem um papel mais amplo. Outros covines tradicionais tem um sistema de crença animista e são politeístas por natureza com uma larga comitiva de espíritos masculinos e femininos.

Em um nível operativo e prático, trabalhar em transe, “sonho mágico” e possessão espiritual são um importante aspecto do Ofício Tradicional. Contactar o espírito do mundo e os ancestrais mortos também ocorrem regularmente, e não apenas no Halloween. Em geral o ambiente dos ritos tradicionais de bruxas é bem diferente da Wicca. Por causa disso é muito difícil descrever a diferença a menos que você a tenha experimentado.

Fonte: Three Hands Press
Nota: No que tange esta casa, apenas no Dianismo e na Neo-wicca há tal emasculação, para não dizer omissão ou obliteração, do Deus Cornífero.

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