domingo, 6 de março de 2011

O que constitui o sacerdócio

Segue abaixo uma série de textos divulgado por Herne na Sociedade Wicca, com uma importante reflexão sobre a característica, princípio e valor de um sacerdócio.
SACERDOTE É A PESSOA PREPARADA PARA OFERECER O SACRÍFICIO À DIVINDADE. Desconheço outro sentido para o termo.
Portanto, para ser sacerdote ou sacerdotisa, antes de mais nada a pessoa tem que saber qual o animal deve ser oferecido ao(s) Deus(es) do(s) qual(is) está a serviço, como fazê-lo, quando fazê-lo; ter sido treinado para isso; saber preparar as partes que estão destinadas ao(s) Deus(es) e como proceder; saber preparar as partes que estão destinadas ao consumo dele mesmo, de quem oferece o sacrifício e/ou da comunidade. Na maioria das vezes, também tem que saber como e onde recolher o sangue, o que fazer com ele, como conservá-lo (se o culto inclui a conservação) ou como dispô-lo.
Mas, também até onde eu sei, a Wicca não oferece sacrifícios e, portanto, não tem sacerdotes. Acho que se confunde muito "sacerdote" com "lider religioso". Um sacerdote não é necessariamente o líder; e um líder não é necessariamente um sacerdote. Historiacamente, inclusive, na maioria das vezes realmente não eram - reis-sacerdotes ou sacerdotes-reis são raríssimos na história, e assim mesmo bastante pontuais.
O "sagrado ofício" é o preparar e oferecer um sacrifício agradável aos Deuses. Por isso, babaorixás são sacerdotes: eles fazem o sagrado ofício de preparar e oferecer a "comida de santo".
Todo sacrifício significa a imolação de uma vítima para agradar um Deus/a. O termo latino - "sacrificium" - etmologicamente sempre se referiu a uma morte, uma imolação, uma morte (vigária ou como oferta) de um animal (inclusive o humano). Por isso, muitas vezes, o sacrifício era seguido do "banquete sagrado": depois de separada a parte que é do/a Deus/a, a outra parte era consumida pelos que ofereceram/participaram do sacrifício e pelo sacerdote. Nos sacrifícios clânicos, o animal imolado é sempre o ancestral totêmico, visando refazer os laços de ancestralidade e se "encher" da força totêmica desse ancestral.
Na verdade, o ato de matar o animal não pode ser separado do objetivo principal desse ofício, que é oferecer uma refeição agradável à Divindade! Esse é o papel do "sacerdote" - alimentar os Deuses com aquilo que lhes é agradável; saber como fazê-lo, como preparar, como apresentar e até quais os desejos daquela Divindade. A participação humana nesse banquete divino, podia ser totalmente impedida (ou limitada aos sacerdotes). Mas também podia ser significativa: algumas sociedades apresentam esse banquete sagrado como uma festa oferecida pelos humanos aos Deuses (esses como "convidados"); em outras, os humanos é que são convidados dos Deuses podendo "comungar" com parte desse sacrifício.
Se não há prática de sacrifício, também não há sacerdócio. Até porque não faria sentido, já que uma coisa remete à outra.
A palavra é romana e antiga; sempre teve esse sentido. Se tirarmos a referência à imolação do sacrifício, então essa pessoa também deixa de ser sacerdote. O uso do termo, portanto, se torna indevido e acaba gerando confusão, pois "cria" um novo sentido que nunca esteve relacionado à palavra. Faz parecer que os líderes wiccanos são sacerdotes como padres, babaorixás e tantas outras religiões que realmente têm a prática do sacrifício - que, como você disse, não faz parte da Wicca.
Toda a descrição [dada pela Mavesper na SW-NB] corresponde, certamente, à de um religioso (uma pessoa dedicada, consagrada à sua religião). Mas não a um sacerdote, exatamente por não incluir o sacrifício. Podemos, portanto, conversar sobre esse dia-a-dia, só insisto que esse não é, em hipótese alguma, o dia-a-dia de um sacerdote. Até porque esse, em nenhuma religião antiga, sacrificava todos os dias. Normalmente um sacerdote (ou corpo de sacerdotes) servia no templo por umas semanas e, pelo resto do ano, sustentava-se com outras atividades. O que significa que o cotidiano de um sacerdote é bem diferente o de um religioso.

Esse sentido de “sacerdócio” como sacrifício pessoal, como “oferecer o melhor de si mesmo” ou como o “privar-se de um bem” é muitíssimo recente. Etimólogos e sociólogos dizem que ela surge no início do século XX, entre as duas Grandes Guerras, se tornando mais corrente após a segunda delas. Esse novo sentido, portanto, é profundamente ideológico e um tanto quanto alienador. Pois afasta do seu verdadeiro sentido: sem a imolação, não há sacrifício... e sem sacrifício, não há sacerdote! Portanto, pelo que todos os estudos apontam, todos os textos antigos, todos os etimólogos e historiadores, a deturpação não está em associar sacerdócio ao sacrifício, mas em dissociá-los.
Desculpe, mas não creio que você possa ou tenha o direito de dar outro sentido a um termo que cultural, tradicional e etimologicamente sempre deve um sentido bem claro e preciso. Particularmente por ele ainda ser usado para designar aqueles religiosos responsáveis pelo sacrifício aos seus Deuses de outros povos, outras culturas e outras religiões. Muitas religiões ainda têm no sacrifício um oficio sagrado e, por isso, ainda preparam, formam e iniciam sacerdotes para isso. E assim como você [Mavesper-NB] apela para a antiguidade e a etimologia do termo “ECCLESIA” para justificar seu uso por wiccanos, não entendo porque para “sacerdocium” o mesmo critério não valha. Não podemos ficar oscilando entre sentido etimológico para umas palavras e o apelo à evolução de sentido para outras, pois isso gera confusão e dúvidas – quando recorreremos à etimologia e quando não? o que determinará a diferença? e quem fará isso e sobre quais critérios e parâmetros? Não existe um “sentido wiccano” de sacerdócio. Pode, no máximo, haver um uso wiccano desse termo arcaico dando-lhe um outro sentido que não é original... Mas é lógico que isso , então, é profundamente questionável.
Acho que o importante aqui é lembrar que a liderança religiosa não tem que ser sacerdotal. Se na wicca não existe sacrifício, então também não existe sacerdócio. Mas isso não significa que não tenha liderança religiosa. Muito menos que essa liderança seja inferior aos sacerdotes de outras religiões. Budistas não têm sacerdotes... mas ninguém questionará a autoridade religiosa de um monge, muito menos do Dalai Lamma.
As ações que você [Mavesper-NB] elenca – consagração pessoal, vivência dos mitos e serviço aos deuses – são, sem dúvida, ações religiosas, mas não sacerdotais. O sacerdócio exige sim – por definição – a prática consciente e sábia da imolação ritual e do preparo da refeição sagrada aos Deuses. Mas se mesmo sabendo disso se insiste em usar o termo “sacerdócio” com outro significado, também não se pode falar em duplo sentido ou em deturpação quando se questiona onde está o sacrifício entre wiccanos. A deturpação – infelizmente – parte de quem usa o termo erroneamente. E não tem como justifica o uso do termo pela prática do “Grande Rito”, pois ele não tem sentido sacrifical. E obviamente isso o diferencia – e muito – da Missa católica e de outros ritos cristãos que são nitidamente sacrificais. As vezes até literalmente: a Igreja Armênia ainda mantém (hoje, século XXI) o rito da imolação do cordeiro pascal, a aspersão de seu sangue e a queima da sua gordura.
Pela etimologia do termo - repito - o sacerdote se diferencia dos outros crentes pelo fato de ser especialmente treinado e preparado para oferecer o sacríficio agradável à divindade. Se retirarmos esse aspecto, então já não temos sacerdote e, obviamente, também não tem nada que o diferencie dos demais crentes.
Pois então: se alguns wiccanos se chamam de "sacerdotes" gostaria de saber qual é o sacrifício agradável à divindade que eles oferecem e como formam treinados e preparados prá isso. Se não têm esse treinamento, essa preparação e esse ofício, o que faz deles sacerdotes e os outros não? Em que seu cotidiano se diferenciaria dos demais wiccanos?
Eu não estou brincando nem faltando com seriedade. Estou levantando questões e até agora não recebi - nem de você [Mavesper-NB]- uma resposta razoável, que fosse embasada. A única coisa que tenho é: "todo mundo diz...", "todo mundo pensa assim...". Se formos por esse caminho, repito que a maioria do mundo é de religiosidade abraâmica, que considera a bruxaria uma coisa demoniaca... A quantidade de pessoas que fala isso está certa porque, em termos numéricos, é maior? Portanto, não creio que esse seja um bom argumento.
Por outro lado estou questionando, sim, o uso de termos de forma desvirtuada e que gera ilusão e equívocos nas pessoas. Nem você, nem eu, nem ninguém pode simplesmente pegar um termo e mudar-lhe completamente o significado para que ele se encaixe naquilo que eu penso e quero que ele signifique. Por isso torno a pedir: alguém tem algum embasamento (que não seja o achismo ou o número de wiccanos) para afirmar que o termo sacerdócio pode ser desvinculado de sacrifício?
Meus questionamentos não se tratam de "crença pessoal", como você [Mavesper-NB] insiste em colocar. Não estou com achismos. Estou questionando a partir de uma base etimológica, histórica, antropológica e teológica... E não recebi, em momento algum, resposta nesse nível. Você pode me apresentar algum estudo sério que embase a sua opinião sobre sacerdócio?Também não é verdade que sacerdócio e sacrífio estiveram ligados "em algum momento". Esse "meio tempo" são SÉCULOS! Enquanto que uma mudança do significado de sacríficio só começa a se esboçar no início do século XX e numa Europa ocidental e cristianizada, que tem outros motivos para fazer esse esforço. Também não é verdade que essa ligação "é passado"... E todos os ritos de diversas religiões que ainda fazem sacrifício? Vamos desconsiderá-los?
Com certeza sacerdócio é isso: o compromisso que se assume com a Divindade para servi-la! A questão aqui é que tipo de serviço o sacerdote presta à Divindade, posto que esse termo sempre se referiu ao serviço da imolação e preparação do banquete sagrado. Então, de que forma esse termo pode ser usado por líderes wiccanos explicitando o que é imolado e como se prepara o banquete.
Não estou falando, com isso, que toda religião tenha que fazer sacríficios. Existem aquelas que nunca tiveram essa prática. Porém, toda religião que faça sacrifícios desenvolveu uma classe de sacerdotes para isso... e, logicamente, toda religião que tenha sacerdotes, é porque faz sacrifícios. A forma e constância desses sacrifícios é muito variável; as características do animal a ser sacrificado, também. Mas ele existe de alguma maneira para que se justifique o título de "sacerdote" da classe responsável.

Acho que, aqui, a grande confusão é que se dissociou o termo SACERDOTE de sua raiz - o SACRIFÍCIO - e o associou ao conceito de LÍDER RELIGIOSO. Pela argumentação apresentada até agora, é isso que dá para entender. E - parece-me - ser o foco da polêmica. Se se está usando o termo "sacerdote" para designar aquelas pessoas que são "liderança religiosa", então realmente não tem que necessariamente se falar em sacrifício... mas tem-se que falar que o termo é impróprio e mal-utilizado.
O sacríficio como serviço aos Deuses (ou "sacro ofício") parte da idéia de que humanos e Deuses coabitam, dividem o mesmo espaço. Algumas religiões dizem que esse espaço é dos Deuses e nós somos seus convidados; outras já afirmam que esse espaço é humano e os Deuses são nossos convidados. De uma forma ou de outra, construimos espaços para esses Deuses e lhes prestamos serviços. Um deles é o de ALIMENTÁ-LOS. E é onde entra a função do sacerdote!
Por isso, a questão primária é: como os wiccanos alimentam seus Deuses?
Então, ou a Wicca não tem sacerdotes, ou ainda não ficou claro (e/ou público) que sacrifício é oferecido na Wicca para alimentar os Deuses. E se não ficou claro porque não é para ficar - por se tratar de "segredo de sacerdotes" - então também não se tem como debater o cotidiano sacerdotal em público. Porém, se não ficou claro porque ainda não se parou para pensar, um motivo a mais para continuarmos debatendo, não acha?
Vale lembrar, agora, as características que foram levantadas aqui sobre os sacrifícios:
1 - Os animais sacrificados são TOTENS, ou seja, representam uma Ancestralidade da comunidade;
2 - Por isso, os sacrifícios criam uma IDENTIDADE no grupo;
3 - Dessa forma, os sacrifícios têm uma função de COESÃO SOCIAL - na medida em que torna "parentes" todos os que comem da mesma carne de sacríficio;
4 - O sacrífico ALIMENTA A DIVINDADE;
5 - O sacerdote, por tudo isso, tem um papel social e político grande.

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