sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A história de nós

Todos ansiamos por histórias. As histórias dão formas aos nossos desejos, sentimentos e objetivos, moldando nossas opiniões sobre tudo – dos nossos próprios corpos ao que é sagrado ou profano, bom ou ruim, possível ou impossível. As histórias nos oferecem figuras com quem rivalizar, a quem emular, imitar, admirar ou abominar. E é a partir das histórias que nos são contadas que nós construímos, inconscientemente, os roteiros de nossa vida.
Por isso há atualmente tanto interesse pelos mitos antigos e novos. O mais importante é que deriva da consciência cada vez maior de que como imaginamos nossas trajetórias, pessoais e sociais, pode afetar profundamente tanto nossas vidas quanto as dos outros. Isto não quer dizer que basta mudarmos as histórias e as imagens.

A revolução da consciência consiste nisso: a desconstrução e reconstrução gradual das histórias e imagens que por tanto tempo moldaram nossas mentes. Corpos e almas para se ajustarem às exigências de um sistema ativado pela punição, medo e dor. A revolução na consciência passa atualmente para um segundo estágio animado pela tomada de consciência de que temos escolhas, de que podemos fazer mudanças e que tais mudanças são essenciais nesta era de alta tecnologia.

Não há garantias de que conseguiremos nos libertar dos mitos e estruturas que ainda nos ligam a maneiras disfuncionais, injustas dolorosas de viver e morrer. A tentativa já é uma aventura extraordinária: uma hornada que é ao mesmo tempo interna e externa, conduzindo-nos a níveis cada vez mais profundos de consciência e a caminhos cada vez mais amplos e satisfatórios. Quanto mais integrados nos tornamos ao nos esforçar para construir o roteiro de nossa vida, mais abertos nos tornamos para as mudanças na consciência. Quanto mais tentamos novos caminhos, mais abrimos caminhos que tornam possível experimentar a vida de uma maneira que antes acreditávamos impossível.

Se perseverarmos, algumas das histórias daqueles que hoje têm a coragem de questionar, a vontade de escolher e a determinação de recuperar, o poder humano exclusivo de dar e receber amor serão os fundamentos para os novos mitos: mitos que, contra todos os obstáculos, assentam os alicerces de uma estrutura social que promoverá a grande capacidade para o prazer em relações afetivas que nos foi concedida.

Se conseguirmos completar a mudança de um mundo dominador para um de parceria, a realidade e os mitos de nosso futuro serão muito diferentes do que são agora. Nesse mundo seremos muito mais capazes de utilizar plenamente todos os nossos sentidos e capacidades para criar novas formas institucionais e mitos que nos permitirão expressar plenamente o milagre, o mistério e a alegria do que os místicos chamaram de a verdade sagrada de nossa unidade no amor. Haverá muito mais mitos de reverência, da admiração e do êxtase que nos foram concedidos sentir, inclusive a alegria, a admiração e o êxtase do amor físico. Haverá histórias sobre como os humanos foram concebidos no prazer e êxtase e não no pecado. Haverá imagens espiritualizando o erótico, em vez de erotizando a violência e a dominação. Ao invés de mitos sobre nossa salvação através da violência e da dor, haverá mitos sobre nossa salvação através do afeto e do prazer. Nesse mundo haverá vários ritos que conferirão significado à vida diária, inclusive rituais com flores, velas, música e vinho. Alguns poderão ser ritos em que a união do homem e da mulher será um ato extático, mágico. Esses ritos reconhecerão que o toque mas sagrado é o toque que dá prazer.

Ainda temos um longo caminho pela frente antes de alcançarmos este mundo, onde a espiritualidade voltará a ser erótica e o erótico, espiritual, onde o sexo poderá ser um sacramento e nossos corpos, santuários, onde saberemos, através da vida diária e não apenas em momentos de iluminação espiritual, que é através do amor que nos expandimos para abraçar os outros ao mesmo tempo que nos envolvemos neles e na unidade a que os místicos e amantes se referem como uma experiência de paixão intensa e perfeita paz. O caminho para este mundo é o caminho que muitas mulheres e homens escolheram seguir: o caminho da cura espiritual, sexual e social. Embora a maioria de nós talvez nunca veja este mundo, sua promessa nos estimula a prosseguir a jornada, enquanto continuamos a criar e viver a história humana.

Riane Eisler, O Prazer Sagrado, Editora Rocco, pg. 476-511. Citado livremente.

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