domingo, 25 de outubro de 2009

Curiosa interpretação

Saulo de Tarso, um judeu que se converteu ao cristianismo e que adotou o nome de Paulo de Tarso, é o único apóstolo que se refere ao tema "homossexualidade", mas de modo nada explícito. Alguns autores recentes especulam que Paulo de Tarso (ou Saulo) era homossexual, mas escondia sua orientação sexual e vivia em conflito entre seus desejos e a sua fé judia. Apesar da afirmação não poder ser comprovada, é uma interessante teoria para se explicar a exacerbada hostilidade de Paulo com relação aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, o qual reagia de forma muito exagerada e que revelava, implicitamente, algum medo interior. É ponto pacífico entre terapeutas que a maioria das pessoas que condenam a homossexualidade de forma radical possuem um medo inconsciente de serem elas próprias homossexuais e diante do ato de condenação procurarem disfarçar esta tendência ou orientação sexual.
As cartas de Paulo, com toda a certeza, não podem fornecer qualquer resposta específica aos anseios dos fundamentalistas que tentam justificar sua aversão à homossexualidade com bases bíblicas. Nos escritos de Paulo, nem a prática homossexual nem a promiscuidade heterossexual nem sequer outro vício específico é identificado como pecado.
Na sua visão do pecado fundamental, por exemplo, do qual todos os males particulares derivam, a idolatria é uma adoração que vem antes do Criador, pois admite que para se adorar um deus é necessário adorar sua imagem material.
À primeira vista, Paulo parece condenar a atividade homossexual. Paulo critica a atividade sexual que vai contra a natureza ou disposição da pessoa. Na sociedade grega daquela época, a homossexualidade e a bissexualidade eram vistas como uma atividade natural para algumas pessoas. Assim, Paulo poderia estar criticando heterossexuais que praticavam atos homossexuais, contra sua natureza.
Entretanto, Paulo era judeu e também poderia estar ridicularizando a rebelião religiosa pagã, dizendo que os pagãos conheceram Deus, mas adoraram ídolos ao invés de Deus. Ele se refere à práticas típicas de cultos de fertilidade envolvendo sexo entre sacerdotisas e entre homens e eunucos prostitutos como os que serviam à Afrodite, em Corinto, de onde ele escreveu a carta para os Romanos. Seus ritos de auto-castração resultavam numa "penalidade corpórea".
Naquele período, de acordo com historiadores, os homens usavam véus e cabelos compridos como sinal de sua dedicação à deusa, enquanto que mulheres não usavam véus e aparavam os cabelos para indicar sua devoção. Os homens se mascaravam como mulheres e, numa rara pintura de um vaso de Corinto, uma mulher está vestida em calças "equipadas" com o órgão sexual masculino. Em seguida, ela aparece dançando diante de Dionísio, uma divindade que tinha sido criada como menina e chamava-se a si mesma de "macho-fêmea".
A troca de sexo que caracteriza os cultos de tais deusas como Cibele, Afrodite, Artemis de Éfeso etc., eram mais assustadores, pois homens se auto-castravam voluntariamente e assumiam trajes de mulheres. Uma antiga gravura romana mostra um sacerdote de Cibele o qual está castrado, usando véu, colares, brincos e roupas femininas, tendo "trocado" sua identidade sexual e se tornado uma "sacerdotisa". Como tal, estes prostitutos religiosos se engajavam em orgias envolvendo o mesmo sexo nos templos pagãos por onde passavam as viagens missionárias de Paulo.
A concepção de Paulo da homossexualidade foi afetada pela atmosfera cultural do paganismo grego. A homossexualidade em si não é o tópico da discussão, mas sim a prática de um ato contra a natureza própria do ser. Assim, é contra a natureza de um homossexual viver o estilo de vida heterossexual e vice-versa. O ponto da passagem não é estigmatizar o comportamento sexual de qualquer forma, mas condenar os gentios por sua infidelidade.
O que é mais importante é que as pessoas que Paulo condena não são manifestamente homossexuais. O que ele derroga são atos homossexuais cometidos por pessoas aparentemente heterossexuais. Paulo está estigmatizando pessoas que têm ido além de sua própria natureza pessoal para cometer ator homossexuais. Especificamente, Paulo se refere a todos os atos sexuais entre pessoas e possivelmente animais, assim como no contexto de adoração de ídolos de falsos deuses.
Muitos se avançam em dizer que o verso 27 está se referindo à AIDS, sendo a presunção de Deus para o homem onde se lê "e eles receberam a devida pena pela sua perversão". Se isto é desta forma, então nós podemos usar a mesma lógica "boba" para dizer que a sífilis é a punição de Deus para os heterossexuais.
Na verdade, o argumento é muito ignorante. Paulo é claro referindo-se ao templo de prostituição e adoração de ídolos, especialmente dos deuses da fertilidade. Para alguns estudiosos, Paulo não estaria se referindo aqui à violação das leis da natureza de um modo geral, mas sim à violência contra a natureza própria de cada um. Neste sentido, seria o mesmo que um heterossexual se envolver em relações homossexuais por mero prazer ou mesmo violência, ou um homossexual se envolver em paixões heterossexuais, indo contra a natureza particular.
Novamente, aqui se faz necessária uma observação maior do contexto histórico-cultural do tempo em que o texto bíblico foi escrito. O texto é dirigido ao povo romano que, notoriamente, antes da conversão ao cristianismo, devotava adorações à inúmeros outros deuses, como Júpiter, Netuno, Diana etc. Em meio a isso, realizavam inúmeras festas pagãs, inclusive orgias sexuais visando a satisfação de seus deuses. Estas festas eram promovidas pelos imperadores romanos e envolviam também a prática de rituais sexuais por meio de violência, envolvendo tanto a prática de relações heterossexuais quanto homossexuais entre pessoas com estas orientações sexuais. Assim, homossexuais e heterossexuais tinham a obrigação de praticar sexo com indivíduos do sexo oposto para agradar aos deuses.
Observa-se, aqui, a alusão de Paulo, um judeu convertido, que viveu grande parte de sua vida sob a lei Mosaica, referindo-se unicamente à idolatria. Não queremos aqui justificar ou defender a prática dos rituais sexuais da Roma Antiga. Mas apenas demonstrar que toda forma de interpretação dos textos bíblicos deve ser cautelosa e levar em conta, também, o contexto histórico, social e cultural da época em que foi escrito.
Perto de Corinto havia um monte onde ficava o templo de Afrodite, a deusa do amor. Aqui, não menos do que mil garotas escravas serviam como escravas sagradas ligadas ao serviço do templo e dos adoradores que utilizavam seus serviços em orgias de adoração. Corinto era largamente conhecida como uma cidade de prazer e vício. A cidade recebeu este nome na língua grega através da expressão "korinthia kore", que significa "prostituta", e "korinthtazesthat" (divertir-se com a garota de Corinto) o que significava visitar uma casa de prostituição. Corinto era bem conhecida por seus bordéis, tanto masculinos quanto femininos.
Não é difícil perceber nesta passagem a mesma tendência de Paulo em escrever baseado em suas reminiscências judias. Corinto era uma cidade grega que praticava a idolatria, o paganismo e a prostituição visando agradar aos deuses. É importante notar que as palavras contidas nos versos tentam condenar tanto homossexuais quanto heterossexuais, pois tanto um quanto o outro é capaz de praticar bebedices, roubos e outras iniquidades. Não ocorre a condenação dos homossexuais, mas sim de todos aqueles que praticam o mal. Mas, antes de tudo, é importante não nos esquecermos do contexto histórico e cultural daquele tempo.
A atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo que Paulo teria encontrado durante suas visitas missionárias estariam associadas à idolatria, pederastia ou prostituição. Muitas das uniões que eram comuns em Corinto eram também de natureza adúltera. Muitos dos homens que tinham jovens amantes do sexo masculino ou que praticavam atividades sexuais com pessoas do mesmo sexo nos templos tinham mulheres e filhos em casa.
Estas práticas sexuais, frequentemente, também envolviam escravidão. Inúmeros garotos eram comprados através do comércio de escravos e castrados para preservarem sua aparência juvenil para o prazer de seus mestres.
Para alguns autores, na época de Paulo havia somente um modelo básico de homossexualidade masculina no mundo greco-romano, o qual era a pederastia, a atividade sexual envolvendo um homem adulto e um garoto. Estes meninos eram sexualmente explorados pelos seus proprietários adultos. Os garotos desejados eram imberbes ou pelo menos sem barbas, assim se pareciam com "fêmeas". Estes homens tinham esposas, procriavam e tinham herdeiros. É provável que, ao se referir à homossexualidade masculina, Paulo pudesse estar se referindo à pederastia porque era o único modelo além das atividades nos templos. A Bíblia não diz nada específico sobre a homossexualidade como tal, sobre relacionamentos baseados em amor e respeito mútuos.
O curioso é que este texto foi copiado de "Deus e homossexualidade", de um site evidentemente cristão, mas com uma interpretação bem diferente das correntes ortodoxas e fundamentalistas. Não é novidade alguma ao eventual leitor deste blog que, na opinião desse escritor pagão, os fundamentalistas cristãos apenas estão querendo justificar o ódio, fazer apologia à intolerância, disfarçada como "direito de liberdade opinião, expressão e crença" mas, de fato, os interesses são outros e depõe contra a religião que dizem professar. Quando fatos são distorcidos, quando direitos são manipulados, usando como desculpa uma crença, a lei é o remédio, embora eu prefira a Revolução e a Apostasia.
PS: original perdido.

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