quarta-feira, 25 de junho de 2008

Sobre os Deuses

Uma reflexão aos neopagãos, pelo menos aos que pensam, convém ser uma exploração da Tea/ologia, como nós conceituamos e vemos os nossos Deuses e Deusas. Embora a base de nossa crença sejam os mitos antigos, devemos lembrar que estes não são 'verdades absolutas' nem estão em 'livros sagrados'. Como diferenciarmos aquilo que percebemos daquilo que os Deuses e Deusas realmente são, distinguir entre aparência/embalagem e conteúdo/essência é uma questão importante, no que eu me sirvo do texto abaixo como ponto de partida.
II – Que Deus é inalterável, nunca gerado, eterno, incorpóreo, e não existe no espaço
Que seja assim o discípulo. Que os ensinamentos sejam do seguinte tipo. As essências dos Deuses nunca vieram à existência (porquanto o que existe sempre nunca pode começar a existir; e existe para sempre aquilo que possui força primordial e que, pela sua própria natureza, nada sofre): nem consistem em corpos; e mesmo nos corpos, os poderes são incorpóreos. Nem estão contidos no espaço, pois que essa é uma propriedade dos corpos. Nem estão separados da primeira causa nem uns dos outros, do mesmo modo que os pensamentos não estão separados da mente nem os actos de conhecimento estão separados da alma.
Para nós (neopagãos) os Deuses e Deusas são imanentes e transcendentes, ou seja, o universo, a natureza e o mundo são parte da manifestação e da presença dos Deuses e Deusas, mas também estão além da dimensão material. Eles e Elas possuem corpos (embora não tenham o mesmo conteúdo que o humano), senão não poderiam se manifestar na natureza, nos mitos e nos cultos. Eles e Elas sofrem igualmente da velhice e da morte (e reencarnação) senão não poderiam nos guiar pela vida. Cada qual tem sua própria identidade e personalidade, comportando-se muitas vezes de formas contraditórias, mas sempre mantendo os Altos Ideais em vista.
V – Sobre a Causa Primeira
A seguir, vem o conhecimento da causa primeira e das subsequentes ordens dos Deuses, depois a natureza do mundo, a essência do intelecto e da alma, depois a providência, o destino, e a fortuna, depois ver a virtude e o vício e as várias formas de constituição social, boas e más, que são formadas a partir deles, e a partir de que possível fonte veio o mal ao mundo. Cada um destes assuntos precisa de muitas longas discussões; mas não há mal em falar um pouco deles, de modo a que um discípulo não seja completamente ignorante a respeito dos mesmos. É próprio da causa primeira ser una – uma vez que a unidade precede a multiplicidade – e ultrapassar todas as coisas em poder e em bondade. Consequentemente, todas as coisas têm de tomar parte dela. Porquanto devido ao Seu poder, nada se Lhe pode opor, e devido à sua bondade não se porá a si própria à parte. Se a causa primeira fosse alma, todas as coisas possuiriam alma. Se a causa primeira fosse mente, todas as coisas possuiriam mente. Se fosse ser, todas coisas participariam do ser. E vendo esta qualidade em todas as coisas, alguns homens pensaram que fosse o ser. Ora se as coisas tão somente fossem, sem serem boas, este argumento seria verdadeiro, mas se as coisas que são, o são por causa da bondade, e participam do bem, a primeira coisa tem de precisar de ser para além do ser e de ser bom. É uma forte evidência disto que as almas nobres desprezam o ser em nome do bem, quando enfrentam a morte pelos seus países ou pelos seus amigos, ou em nome da virtude. Depois deste inexprimível poder, vêm as ordens dos Deuses.
Para nós (neopagãos) a Causa Primeira pode ser tanto a comunidade formada pelo conjunto dos Deuses e Deusas (Panteísmo) como a Bruma do Tempo de onde os Deuses e Deusas foram se formando (Monismo). Em termos morais e éticos, nós consideramos tanto a virtude quanto o vício conceitos humanos, variáveis conforme a época, a cultura e a sociedade. Eu particularmente creio que a maldade é causada pela ignorância.
XV – Porque é que cultuamos os Deuses quando eles de nada precisam
Isto responde à pergunta a respeito dos sacrifícios e outros ritos dedicados aos Deuses. O Divino em si próprio não tem necessidades e o culto é feito para nosso próprio benefício. A Providência dos Deuses chega a toda a parte e precisa só de alguma congruência para que seja recebida. Toda a congruência vem pela representação e pela semelhança, motivo pelo qual os templos são feitos em representação do céu, o altar, em representação da terra, as imagens, em representação da vida (é por isso que são feitas como os seres viventes), as orações, em representação do pensamento, as letras místicas, em representação das inefáveis forças celestiais, as ervas e as rochas, em representação da matéria, e os animais do sacrifício em representação da vida irracional em nós. De tudo isto, os Deuses não ganham nada – que ganho poderia haver para um Deus? Somos nós que ganhamos alguma comunhão com Eles.
Para nós (neopagãos) o culto não é uma mera cerimônia para propiciar ou agradecer aos Deuses e Deusas, cada rito evoca o ciclo da existência que é a essência dos Deuses e Deusas. Os Deuses e Deusas vivem em simbiose com os humanos, para Eles e Elas a vida é o culto divino sem o que não há Providência nem a Compreensão do Destino e isto é um dos maiores mistérios a ser desvendado por ambos.
Autor: Caio Salústio Crispo
Nota final: A maior dificuldade ao conceituar e ver quem são os Deuses e Deusas está em nossa percepção, que é finita e imprecisa, nós tendemos a ver a aparência/embalagem e não procuramos ver o conteúdo/essência. As únicas evidências são os mitos, as lendas e as sagas que mostram diversos a(u)tores, portanto divindades distintas, cultos distintos.
Por mais que as raízes e os simbolos míticos sejam parecidos ou se entrelacem nas culturas de diversos povos, Yahveh, Cristo e Allah não são o mesmo Deus e há tempos perderam suas características originais.
Hoje em dia se confunde muito o Logos com a Causa Primeira, o Neoplatonismo com o Monismo, o Panenteísmo com o Henoteísmo. A confusão aumenta mais quando se misturam conceitos morais a valores humanos. Como o conceito de que o/a Deus/a é justo/a, que o/a Deus/a é luz, que o/a Deus/a é santo/a, que o/a Deus/a é amoroso/a, quando nem sempre Ele/Ela o é.

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