sábado, 14 de julho de 2007

Crente até o Diabo é

Eu acho o senso de humor dos cristãos curioso. Mas é compreensível, uma vez que é pouco provável que eles tenham feito alguma pesquisa em religião comparada.
Eu tento me lembrar que para eles, a Igreja é a única autoridade com competência e autoridade para falar do Mundo Espiritual, a humanidade mal começou a superar o Império Religioso da Igreja Católica e ainda sofre para assimilar os duros golpes fundamentalistas da Igreja Protestante.
Dentro da lógica doutrinária cristã e apenas nela existe o Diabo, uma figura enigmática que encarna a enorme contradição e contraste, fundamentais para a própria doutrina em si mesma.
Sem a existência dessa entidade a quem as religiões monoteístas possam atribuir todos os males deste mundo, seria impossível conceber o conceito de tentação, pecado e a necessidade de salvação que tanto apregoam.
Para um pagão é extremamente estranho imaginar uma entidade separada deste mundo e da humanidade, tal como os cristãos e demais doutrinas monoteístas discernem Deus, bem como é impensável creditar a uma entidade a responsabilidade por atos naturais ou humanos, humanamente julgados como malignos.
Eu pessoalmente fiz uma longa pesquisa e comparação na história das religiões, com isso eu sou capaz de perceber como e porque as doutrinas monoteístas precisam da existência do Adversário, uma existência justificada mas não explicada pela claudicante doutrina de seus credos.
Tudo começou na Pérsia, quando um profeta visionário chamado Zoroaster iniciou um movimento de reforma da religião local através da inspiração divina que ele recebeu, no que depois foi transmitido no livro Zend Avesta.
Zoroaster tentou conduzir os cultos tradicionais local, politeístas e equilibrados, para o culto a um Deus único, Ahruda Mazda ou Ormuz, o Deus bom, luminoso e criador de todas as coisas que, evidentemente, escolheu Zoroaster para purificar as pessoas e o mundo do perigo do pecado e da maldade espalhada por Ahriman, o Deus mal, escuro e destruidor de todas as coisas, que domina o mundo material e o que foi desde então chamado de vícios da carne.
A doutrina de Zoroaster, como toda doutrina revolucionária e fundamentalista, encontrou resistência principalmente entre comunidades pastoris tradicionais, mas encontrou grande receptividade nas cidades, entre pessoas com uma séria compulsão de pureza espiritual.
Por mais que as outras formas de monoteísmo não reconheçam que sua origem veio deste credo, considerado posteriormente “pagão” pelos seus herdeiros mais diretos e modernos (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), o Zoroastrismo dominou a Pérsia numa época em que este povo estava dominando todo o Oriente Médio com o Império Sassânida, durante o qual a Babilônia e, por atacado as tribos Hebraicas, acabou formando entre os Judeus a idéia do Deus único, que foi identificado com Yahvé, um dos deuses tribais principais dos Hebreus. Não estranhamente foi exatamente nessa região que surgiu Mohamed e sua reforma religiosa direcionada aos árabes, focalizando a Allah como sendo o único Deus e como Zoroaster, recebendo a inspiração divina no que depois foi transcrito no Alcorão e conduzindo os cultos tradicionais locais politeístas.
Mas para a cultura Ocidental o fenômeno que varreu as antigas formas de religião veio da atual Palestina, por intermédio de um (ou mais) rabino Judeu conhecido (sendo real ou fictício) pelo nome de Jesus, considerado o fundador do Cristianismo ou o responsável pela instrução do mesmo aos seus Apóstolos, que por sua vez o codificaram tal como é conhecido até os dias de hoje.
A escatologia referente ao pecado, ao Inferno, ao Diabo e às tentações da carne foi extensivamente explorada e é dentro deste aspecto que os pagãos devem tentar entender o humor cristão na frase de título.
Então temos o Demiurgo Hebreu, Deus, Yahvé ou os Elohim, criando a todas as coisas, incluindo o Diabo em pessoa. Antes que alguém objete tentando argumentar que nossos pais também nos “criam”, mas nos tornamos algo diferente; temos que separar o conceito de “criar” deste Deus do “criar” enquanto sentido de gerar e educar que nossos pais têm para conosco.
O Deus do Gênesis criou tudo, ou seja, fez com que do nada algo aparecesse, não somente o Diabo, mas também os sentimentos ou natureza que Ele tem. Então de um lado temos um Deus todo poderoso que os cristãos querem acreditar ser um Deus bom, de luz, justo e misericordioso; do outro temos o Diabo a quem, seja pelos cristãos, seja por conveniência do próprio Deus, recebe em si toda a culpa da maldade, tentação, pecado e apetites carnais. Parece claro que o contraste e diferença entre as entidades é fundamental para efetivamente ver em Deus e no Diabo as qualidades que lhes são atribuídas, bem como toda a doutrina decorrente desta visão espiritual.
O Diabo foi criado para ser o Adversário, o Tentador, o Devorador, o Destruidor, o Inimigo de Deus, por ninguém mais que não o próprio Deus, no que Ele agradece por Satan fazer e bem o serviço que Deus confiou para Ele, tornando claro então que sim, até o Diabo é crente. Ele conhece a bíblia por inteiro, de trás pra frente, capítulo por capítulo, versículo por versículo, com mais acuidade que qualquer pastor presbiteriano; Ele é o que é mais presente e evocado nos cultos de exorcismo das igrejas pentecostais; Ele é considerado o Príncipe deste Mundo e responsável por uma grande Conspiração Mundial para o domínio do satanismo; Ele é o mais odiado, perseguido, maldito e ofendido; Ele tem sido alimentado, por um lado por esse ódio dos cristãos, por outro pela estranha adoração monoteísta inversa dos satanistas; Ele é o mais representado na arte cristã e certamente mais temido por sua influência neste mundo. Renegado por seu Criador e invejado por muitos homens, Ele é o herói trágico que cumpre o destino obstinadamente, lutando contra o Princípio que O criou, para que haja o atrito criativo necessário para a loucura da fé e o conflito indispensável para a libertação, superação, evolução e livre-arbítrio do ser humano, como um bom crente deve ser.

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