sábado, 14 de julho de 2007

Anotações variadas

Introdução.
Uma noção bastante precisa sobre a Wica é que ela não é uma religião de livro, mesmo o famigerado Livro das Sombras não é mais que um mero instrumento para ser utilizado dentro do círculo, no contexto da assembléia que o formulou. Isto provoca muitas dúvidas e questões que somente o estudante, ao seguir e aprender a tradição que sua companhia sustenta, poderá resolver. Embora eu não pertença a um Coven, nem tenha sido iniciado dentro de uma tradição, acredito poder contribuir aos que passaram do básico, sobre alguns assuntos delicados que envolvem preferências pessoais, política, etiqueta, família e sociedade.

O que define a Wica.
Como toda religião, a Wica tem seus princípios, sua estrutura básica, um dogma, apesar do significado pejorativo desta palavra. O paradoxo é que a Wica não é definida por uma ortodoxia (uma fé certa), mas uma ortopraxia (uma prática certa). Ortopraxia deve ser entendida como esse conjunto de técnicas e credos que faz parte de uma determinada tradição, que são passados para seus estudantes e mantidos sem alterações. Apesar de algumas diferenças entre as tradições, há alguns princípios em comum, para que ainda sejam consideradas partes da Wica. Isto então significa que não se pode fazer o que bem se quiser, praticar diversas técnicas indiscriminadamente, misturar panteões ou mitos conflitantes, ou perceber as Divindades majoritárias da Wica da mesma forma que é encarada a Divindade majoritária nos credos monoteístas. Como meus colegas da Arte irão conhecer ou perceber este conjunto pode divergir da minha hipótese ou mesmo das outras possíveis hipóteses explicadas por outras pessoas. Independente disto ou de quanto outras pessoas discordem de minhas conclusões, com o devido respeito, eu os lembro que o princípio mais fundamental na Wica é que não há uma autoridade central. Portanto, o sacerdote e sacerdotisa de cada tradição podem falar apenas de seu grupo ou tradição, não tem autoridade para exigir ou criticar outros grupos e tradições, nem tem autoridade para exigir de pessoas que não pertençam ao seu grupo que concordem com suas visões.

Minha teoria.
Wica é uma religião Duoteísta, uma escola de mistérios iniciática originada de um ramo da Witchcraft Britânica que reúne práticas da mesma, mas com uma estrutura sacerdotal. Wica é a religião desenvolvida por Gerald Gardner, com o intuito de resgatar a Antiga Religião, as antigas escolas de mistérios, mas com uma estrutura particular e precisa, que é o que sustenta a tradição Gardneriana. Outros Deuses e Deusas possuem, dentro da tradição Gardneriana, um papel secundário ou acessório, sendo que estas Entidades são adotadas de forma independente, por uma linhagem, por um sacerdote ou por uma sacerdotisa, por motivos que convém a este contexto apenas. Tradições que utilizam ou aceitam trabalhar com múltiplos panteões, muitas vezes conflitantes, fazem por conta e responsabilidade própria e eu espero que o façam dentro de um critério, sem anular o princípio Duoteísta da Wica. Isto descarta então as hipóteses de que a Wica é uma religião xamânica, ou matrifocal, ou henoteísta, ou feminista, ou thelêmica, ou maçônica, ou satanista.

Gêneros, sexo, rituais.
Wica é uma religião extremamente humana e flexível, desde que cada tradição, linhagem, sacerdote e sacerdotisa se contenham em manter sua influência e hierarquia dentro de seus quadros. Nenhum grupo estritamente eclético ou constituído por “auto-iniciados” pode exigir de grupos tradicionais que sejam aceitos e reconhecidos como parte da Wica. Isto inclui grupos exclusivamente compostos por membros de um sexo (homossexuais) e grupos que privilegiam apenas o culto à Deusa (diânicos radicais).
Outro princípio da Wica tradicional Gardneriana é que seus rituais são heterossexuais, para isto é necessária a presença de um sacerdote e uma sacerdotisa que irão incorporar o Deus e a Deusa, de onde vem o sentido de dizer que a Wica é uma religião Duoteísta.
Grupos que privilegiam o culto somente à Deusa, a alijam de seu Consorte e a transformam em um Jeová de saias. Grupos que realizam rituais homossexuais estão realizando uma forma de magia sexual, mas certamente não estão realizando os ritos da Wica.
Quando a Wica floresceu nos EUA, havia um cenário de revolução, muitos grupos apareceram e alguns quiseram usar a Wica para dar uma sustentação sagrada a seus assuntos políticos e pessoais. Grupos que defendiam os direitos das mulheres, negros e homossexuais tinham um problema com o Cristianismo e a visão preconceituosa das igrejas cristãs nestes assuntos, tendo por base a Bíblia. Então, destes grupos que procuraram este suporte religioso aos seus assuntos políticos, surgiram as formas do Dianismo radical, fundado basicamente por um grupo feminista e lésbico que tinha androfobia, por isso que a doutrina destes enfocam uma estrutura mais matrifocal e um culto exclusivo à Deusa. Com essa exceção e a contribuição dada por escritores popularizadores da neo-wicca e da pop-wicca, apareceram igualmente grupos de Paganismo Moderno para gays que celebram rituais homossexuais. Ainda não apareceu um grupo que pleiteia uma Wica exclusiva para negros, mas existem grupos que misturam panteões nativos das Américas e da África em uma religião com um Deus e uma Deusa bem específicos.
Entretanto, isto não quer dizer que a Wica é homofóbica, não defenda os direitos das mulheres, negros e homossexuais. O que ela não pode ser é uma desculpa para propósitos políticos ou preconceito invertido. A Wica é a única religião tolerante quanto a outras formas de opção sexual, política e religião, desde que estas preferências não interfiram com sua estrutura, a ortopraxia que a define. Independente destas opções pessoais, quando um indivíduo encontra um Coven tradicional, ele ou ela deve concordar com a ortopraxia desta tradição e manter esta sem alterações, pois a prática tornará a ele ou a ela habilitados a celebrar os Antigos Mistérios, independente de suas opções pessoais fora do círculo.

O propósito da religião.
Houve uma época em que havia apenas uma instituição religiosa dominante e isto acarretou em inúmeros conflitos, guerras e disputas. Hoje em dia, nosso mundo está multiplicando em número de conflitos, guerras e disputas por que há uma disputa de poder entre três religiões majoritárias monoteístas que são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Isto ocorre porque faz parte da doutrina dos credos monoteístas que as demais religiões são produtos malignos de uma Entidade adversária do Deus de seu credo. Não é novidade nenhuma, na história da humanidade um grupo dominante sempre tentará suprimir ou demonizar os Deuses de seu passado, bem como as religiões antigas. Assim, não é difícil encontrar por várias mídias, ataques de grupos radicais fundamentalistas contra o Paganismo, a Witchcraft e a Wica. Isso criou um ressentimento contra as estruturas religiosas, contra a autoridade sacerdotal, contra a sistematização do credo. Em busca de uma liberdade de cunho mais político que religioso, algumas pessoas sempre usarão do clichê de acusar aos tradicionalistas de serem elitistas, radicais, fundamentalistas, ortodoxos e intolerantes, quando tudo que estas pessoas fazem é defender a ortopraxia que define a Wica. Por esse estresse de liberdade de cunho mais político que religioso é que existem grupos estritamente ecléticos e auto-iniciados, que tomam todo tipo de liberdade e adotam técnicas tão contrastantes, que dificilmente se pode definir o que fazem de Wica. Não se pode fazer uma leitura das práticas e história da Wica da forma que nos agradam, nós que devemos nos adaptar a uma religião, não ela às nossas preferências pessoais, por isso que se fala que a Wica requer uma observação da ortopraxia.

Toda religião tem um propósito, alguma meta, para nos transformar de criaturas comuns em seres humanos. Isso inclui um senso de ética, de etiqueta, de responsabilidade com a comunidade e com o ambiente em que vivemos. A Wica tem como propósito religar o ser humano ao seu potencial interno inato, isso requer uma reconsideração radical quanto a visão do nosso mundo, nosso corpo, nossa sexualidade e nossa consciência. Esse propósito só pode ser conquistado através de uma determinada prática, ritual e credo, que são parte da ortopraxia. Quando Gerald Gardner desenvolveu a Wica, ele teve um ponto de onde partir, que foi seu Coven de New Forest e teve um destino, que foi a estruturação da Wica como um sistema flexível, enquanto se mantivesse a ortopraxia e os Mistérios Antigos intactos. Quando Gerald Gardner recebeu seu grau de magister, dentro dessa forma de Bruxaria Hereditária, ele percebeu que a Arte estava fragmentada, então para tentar resgatá-la enquanto prática eficiente e como sistema sacerdotal ele reuniu diversas fontes, donde muitos grupos sem tradição ou estritamente ecléticos tiram a noção de que suas práticas sejam válidas. O problema com esse excesso de liberdade e permissividade está sendo sentida por estes mesmos grupos que reclamam da excessiva comercialização e popularização da Wica, tal como é visto em revistas, livros, programas de rádio e televisão. Então, gostem estes grupos ou não, há uma estrutura básica de onde se pode dizer o que é Wica e o que não é. Foi com este sentido que Gerald Gardner reuniu diversas fontes, para delas extrair pistas ou práticas que poderiam ter origem na escola de mistérios clássica, mais as raízes dos cultos originários europeus que são a base das múltiplas formas de Witchcraft ou Folklore da Europa. Dentro deste critério, Gerald Gardner estruturou a Wica, a partir dele se formou a tradição Gardneriana, a partir de Alex Sanders se formou a tradição Alexandrina e a partir delas, as muitas linhagens.

O futuro da Wica.
Gerald Gardner não desenvolveu a Wica para ser uma religião de massas, embora tenha deliberadamente a tornado pública, o que acarretou que a Wica deixou de ser uma religião exclusiva para ser uma religião inclusiva, excedeu as fronteiras e as definições compreensíveis para a época e continua crescendo como desafio ao Status Quo, bem como aos seus praticantes mais tradicionais. Talvez a Wica se torne uma religião mundial, como o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Budismo, o Xintoísmo e o Hinduísmo. Talvez vejamos entre suas divisões um conflito tão belicoso quanto o que ocorre entre as divisões do Cristianismo. Discussões bastante apaixonadas já ocorrem com freqüência entre as suas muitas divisões, bem como é comum cada qual destas divisões falar ora na doutrina, ora na independência. Como uma religião viva, uma vez que sua base mais fundamental é esta ligação com os Deuses Antigos, a Natureza e os Ancestrais, a Wica está em pleno desenvolvimento e produzindo frutos, mostrando a presença mais do que vívida do Casal Divino entre seus adoradores. A conclusão mais esperançosa é que haja convivência e tolerância entre suas múltiplas faces, com a mesma tolerância e convivência que procuramos ter hoje com outras religiões. Temos que aprender e não repetir os exemplos ruins que aconteceram nas histórias das outras religiões, para exigir respeito é necessário dar respeito. O mundo já sofreu demais com a perseguição e a guerra religiosa. Não damos exemplo algum, nem mostrando o quanto somos melhores, se continuarmos discutindo tão ferozmente quem é melhor, quem é mais certo, quem é mais verdadeiro. A Wica, tal como foi desenvolvida, começou com Gerald Gardner, mas não deve se restringir ao que foi desenvolvido por esta pessoa e sim deixar que o Casal Divino escolha como quer que seu culto se manifeste. Que os Deuses decidam qual tradição permanece e qual tradição irá sumir.

Nota póstuma: eu discordo da postura do Políticamente Correto e do Laisser Faire em voga no Neopaganismo Brasileiro. Infelizmente acabei aprendendo e descobrindo a duras penas que não é porque alguém está trabalhando pela Wicca que isto o torna necessáriamente confiável. Infelizmente, os discursos e ações destas pessoas que estão divulgando a Wicca para o público visa apenas a estabelecer uma ditadura hegemônica.

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